Como você se atreve?!
Há algum tempo me solidarizei com algumas pessoas sobre as quais se abateram tragédias e fatalidades, cujas identidades aqui não vêm ao caso para não expô-las.
Não quero me ater às tragédias em si, mas a algumas reações
insólitas, às quais atribuo, sem nenhuma margem de dúvida, dentre outras coisas
de peso, o estado caótico, desolador, no qual a humanidade se encontra.
Alguém virou para mim em determinado momento e disse: "Você vai é se meter em confusão com esse negócio de se envolver com os problemas das pessoas!".
Confesso:
me encrespei.
Respondi na mesma hora, inconformada:
"E por quê?!
Qual a confusão viável por simplesmente me importar?!
Por oferecer
solidariedade?!
Calor humano na hora do sofrimento?!
Porque, a meu ver,
confusão tem a ver com problema de consciência; ora, se a intenção e as minhas
ações são justamente de molde a abonar a minha consciência, qual a confusão
possível?!
E
prossegui no desabafo durante alguns instantes com essa pessoa de minhas
relações, cuja essência lhes transmito neste texto; é que meus artigos são
assim mesmo.
Este é o meu estilo: terapêutico. Gosto de dividir vivências com
meus leitores de molde a despertar comentários, reflexões, debates... Há
crescimento – e muito! – a partir disso!
A
meu ver, é justo desse calor humano, do se importar, dessas demonstrações sinceras de solidariedade,
do se estender as mãos para o próximo, que a humanidade mergulhada nas
expressões do ódio e do desamor se ressente!
Ninguém se importa nem quer se
importar com nada; ninguém se compromete; há o temor de que num simples gesto
ou palavra de solidariedade se vá perder alguma coisa.
Mas perder o quê?!
Tempo? O mesmo tempo gasto nos fins de semana com jogos de futebol,
churrascadas regadas a cervejas e outras frivolidades?
Então, a convivência com
o ser humano se resume a isto: só se dá de si quando tudo vai bem!
Na hora das
festas, do entretenimento, do convívio no mais das vezes forçoso da vida
profissional durante a semana, estaremos presentes, integrados.
Nos momentos de
dor, contudo – Nem pensar! Eu, hein, me meter nisso, me comprometer?
Arranjar dor de cabeça, tomar a cruz dos outros quando a minha já não é fácil?
Estou fora!
E
segue assim a humanidade egoísta, em decorrência mesmo do que se vê: o mundo
como nunca soterrado na maior crise de solidão e de desamor de toda a História!
Porque se deu prioridade aos progressos tecnológicos, às comodidades, às
incompletudes dos avanços científicos... E, ainda assim, estranhamente, padece
o ser humano das mesmas misérias íntimas de milênios atrás, das eras da
barbárie.
Efetivamente, continua o seu modus vivendiegoísta, e nem
por isso é mais feliz!
Observem
que não quero aqui significar que se deva, como dito, tomar sobre si a
cruz alheia!
Isso, de fato, a ninguém seria de ajuda, de vez que para
tirar alguém de dentro de uma vala não auxiliará se, em estendendo a mão,
ao invés de içá-la, nos despenquemos para dentro, para a mesma situação
crítica!
Não é a isso que me refiro, à assimilação da negatividade transitória
do próximo, resultado das fatalidades que vez por outra o atingem!
Falo de
outra coisa, vital, imprescindível..., para que a humanidade continue digna de
tal designação; para que a desesperança no ser humano não reverta absoluta:
falo de amor.
Falo
de solidariedade na
sua mais impoluta acepção e não apenas extensa aos nossos círculos
consanguíneos, mas também para todo aquele a quem possamos ofertar com
sinceridade e compreensão tal sentimento e tal atitude..., para além dos
portais estreitos do nosso recinto familiar!
O
curioso, todavia, é que o posicionar-se assim, pura e simplesmente, diante de
determinadas personalidades, reveste-se quase que de arrogância. Lê-se com
clareza nos olhares: Como você se atreve?!
Quem pensa que é para sair
por aí dando uma de boazinha, de salvadora da pátria? Quem você pensa que é?
Por que não se mete com seus próprios problemas? Não é pretensão demais, não,
achar que pode fazer alguma coisa, aliviar dores, reconfortar, principalmente,
pessoas estranhas?!
Volto
a confessar minha perplexidade!
Mais de uma vez já vivenciei coisas que
confirmaram aquele pensamento famoso e recorrente: é justamente fora de
casa que encontramos maior solidariedade! Santo de casa não faz milagre!
Um
estranho, em variadas ocasiões, é o irmão compreensivo, o pai ou a mãe que não
nos oferece o reconforto do qual necessitamos em situações extremas!
Fora de
casa, pois, é que encontramos o irmão de espírito, oportuno, carinhoso, de cujo
apoio tanto necessitávamos na hora de se resolver situações difíceis,
dolorosas!
Já
vivi, já ouvi, já vi exemplos múltiplos que confirmam esta verdade! E, no
entanto, persiste essa coisa de ser olhada e taxada, tácita ou explicitamente,
de pretensiosa e arrogante justamente por amor de atitudes que tanto bem,
comprovadamente, proporcionam ao próximo em suas angústias e agruras!
- "Eu
te compreendo! Já vivi, já senti na pele! Apegue-se a Deus, não desista! Já
vivi algo assim, ou parecido!"
Palavras
e gestos semelhantes tanto bem proporcionam aos irmãos de jornada neste mundo,
meus amigos!
Quem não aprecia?
Quem pode dizer que não necessitou ou nalgum dia
não vá necessitar de ser assim reconfortado por tais amigos oportunos, que
parecem "cair do céu" quando deles mais precisávamos?
Que mal há, por
fim, em se apostar na força reabilitadora do calor humano, da fraternidade na
sua expressão mais espontânea, peculiar, simples, de nós mesmos?
No anonimato
ou mais manifestamente, não importa, por intermédio da publicação de um texto,
ou de um diálogo carinhoso, o se buscar o outro, com o devido senso de
oportunidade, para lhe mitigar ao menos um pouco a dor, para estar presente
nela, para, enfim, e ainda que em silêncio, fazer calar fundo nalguma alma
martirizada que estamos todos no mesmo barco...
Como
você se atreve?! –
os olhares e comentários sugerem, da maneira mais insólita...
Querem
saber de uma coisa?
Chico Xavier se atreveu. Gandhi se atreveu. Jesus.
Mahavira. Osho, Chico Mendes, Madre Teresa de Calcutá... Francisco de Assis!
Estou
em boa companhia. E vou continuar me atrevendo!
Cristina Nunes - O consolador
Cristina Nunes - O consolador