quinta-feira, 2 de janeiro de 2014



                    AMORNAMENTO

E o nosso companheiro?
Afastou-se mesmo?
– Lamentavelmente.

Tinha excelente potencial! Inteligente, culto, dotado de iniciativa…

– O que houve?

– Inúmeros problemas, a começar pelo cigarro. É fumante inveterado.

Foi alertado várias vezes de que o vício causa embaraços ao serviço do passe magnético do qual participava.

– E ele?

– Tinha explicação para tudo. Dizia que julgava importante estar em paz consigo mesmo e que o cigarro lhe dava tranqüilidade.

– Mesmo sabendo que o fumo abrevia a existência?

– Segundo ele, isso não importa.

Quer sentir-se como uma vela gastando dos dois lados. Viver intensamente, em meio às baforadas.

– E o seu relacionamento com o pessoal?

– Em princípio razoável, mas com o tempo azedou. Era agressivo no trato com os companheiros.

– Lembro-me disso. Você chegou a conversar com ele a respeito.

– Muitas vezes.
 Recomendava-lhe comedimento.

Malhava em ferro frio, porquanto, segundo ele não podemos nos omitir diante do mal que nos façam.

Dizia que tolerava em princípio, mas se alguém insistisse em perturbá-lo não teria dúvida em responder à altura.

– E houve aquele problema na sua atividade profissional…

– Foi a gota d’água.

 Funcionário de uma repartição pública, envolveu-se numa operação ilícita. Está respondendo a processo administrativo.

Foi convocado a explicar-se diante da diretoria, já que era um de seus membros, mas irritou-se, proclamando que não devia satisfações a ninguém de seus atos pessoais.

A partir daí não havia mais clima para ele entre nós.

– É lastimável.
Ele possui um grande potencial de trabalho. Você acha que poderíamos fazer algo em seu benefício?

– Nada além de orar. Ele está enquadrado naquele que é o pior de todos os problemas que podem envolver a pessoa que se liga a uma atividade religiosa:

 o amornamento.

– Amornamento?

– Sim. A coexistência pacífica entre o que temos de bom e o que temos de ruim.
É quando encontramos justificativa para o vício, a agressividade e a própria desonestidade, não obstante conscientes de que estamos incorrendo em graves desvios.

– E qual seria o prognóstico para essa situação?

– Geralmente as pessoas que caem no amornamento vivem assim até que ocorra a solução final.

– Solução final?

– Sim, a morte.

 Colherá no plano espiritual os resultados de sua inconseqüência. Acabará por reconhecer seus enganos e sofrerá muito.

– Mas voltará um dia, para corrigir rumos e superar seus enganos…

– Todos voltaremos, incessantemente, até que nos depuremos o suficiente para viver em planos mais altos.

O problema em casos como o de nosso amigo é o tempo perdido e o comprometimento com o erro, decorrentes de seus desvios, a complicar o destino.

– Como evitar que isso nos aconteça?

– É preciso exercitar a autocrítica, usando de muita severidade conosco. Somente assim nos conservaremos “quentes” no empenho da própria renovação.

***

Vós sois o sal da Terra.

Ora, se o sal perder o seu sabor, para que haverá de servir, senão para ser lançado fora e pisado pelos homens?

Mateus, 5:13

Livro O Céu ao nosso alcance.