Um Natal diferente
No orfanato “Canteiro de estrelas” inicia-se mais uma festa de Natal, com a presença de vários “Tios” vindo das associações de moradores do Bairro que se acotovelavam entre abraçar as crianças, cantar e distribuir gracejos.
No palco
improvisado, entra um grupo de Tios munidos de violão, puxando diversas músicas
infantis e músicas de Natal. As meninas do orfanato, todas com a mesma roupinha,
emana um brilho dos seus olhos ao ver aquele espetáculo.
Após as
musiquinhas, uma pequena peça teatral e a distribuição de lanches e brinquedos.
Bia, uma pequena mocinha de olhos negros, ajeita-se entre as meninas para ver o
show. Após a despedida final, todos acodem aos tios e Bia sobe no palco,
perdida em divagações infantis.
“- Ai, como eu sou feliz! Adoro quando os tios vêm aqui.
Eles cantam, brincam e fazem a maior alegria aqui. Mas, hoje, eles falaram do
Natal. O que será isso? Sinto que é uma coisa boa.”
Entra um Tio na busca dos atrasados e diz:
“- Bia, minha querida. Está na hora de você ir para a
cama, pois seu dia foi muito cansativo.”
“- Tio, o que é o Natal?” Pergunta incisiva.
“- Menina, deixe de papo e vamos dormir.”
“Só saio daqui quando o senhor me explicar o que é o
Natal.” Insiste a pequena.
“ -Tudo bem, sente aí. O Natal é....”
“- Rui, a Amanda caiu. Me ajuda aqui.” Ao ouvir
o apelo, o Tio sai correndo se desculpando com a Bia.
Inconformada, sai
resmungando
“- Aaaaaaaaai, droga! Ninguém sabe me dizer o que é esse
Natal.”
Uma voz ao fundo manda Bia correndo ir para a cama e escovar
os dentes. A tia Margareth, senhora austera, porém bondosa, lhe pergunta:
“- Bia, já fez sua higiene pessoal?”
“- Sim, senhora.”
“- E a sua oração?”
“- Farei agora, tia.”
“- Então, boa noite.”
Insatisfeita, bem verdade, Bia se vira para dormir
cantarolando na sua mente as cantigas dos tios.
*
Bia se levanta, em um salto da cama, e quando vê está sobre
o palco do orfanato. Estranhando aquilo tudo, se vê surpreendida por um menino
de branco:
“- Bom dia, Bia.”
“- Quem é você?” Pergunta Bia, ressabiada.
“-Sou seu amigo”. Replica o menino mansamente.
“- Mas eu não sou sua amiga!” Reage Bia
violentamente. “Minha tia Margareth me disse para não conversar com
pessoas estranhas.”
“- Mas, se eu não sou seu amigo, eu quero ser agora.
Meu nome é Natalino.”
“- E o que você está fazendo aqui no orfanato?”
“- Você me chamou.”
“- Eu não chamei ninguém aqui. Acho que o senhor é lelé,
maluquinho.”
“-Você não queria saber o que era o Natal?”
“- Como você sabe? Sim, eu quero saber, mas duvido que
você saiba!” Desafia Bia impetuosamente.
“- Bem, vou ter que me identificar.” Saca uma
carteira do bolso: “- O meu nome é Natalino Natalício do Natal de Belém
e fui contratado para explicar às crianças o significado do Natal”.
“- Então você pode mesmo me dizer o que é o Natal.” Confirma
Bia esticando o olho para verificar a carteira.
“- Bia, o Natal é uma festa...” Inicia a
explicação Natalino.
“- Oba! festa. Sabia que era uma coisa boa. Deve ter
bolo, pudim, manjar.” Interrompe Bia, que fica olhando para o
alto contando os dedos.
“- Mas, o Natal é muito mais do que isso, Bia.”
Bia corta Natalino novamente:
“- Vamos, Tio, vamos para essa festa.”
“- Que seja feita a sua vontade, Bia. Vamos ver como as
pessoas fazem a festa de Natal.”. Natalino põe a mão sobre a testa de Bia e
tudo à sua volta se transforma.
De repente, Bia se vê em uma loja de roupas, onde uma turba
de pessoas se digladiam pela disputa de shorts, camisas e bermudas
em uma promoção relâmpago. Bia, meio que decepcionada, pergunta:
“- Essa é que é a festa?”
“- Não, esses são só os preparativos.” Responde
Natalino.
Uma blusa voa da confusão e cai no rosto de uma moça, que
passa a discutir com a outra, disputando a peça de roupa.
“- Agora vamos ver como as pessoas vivem a festa de
Natal.” Arremata Natalino. Mais uma vez, com a mão sobre a fronte, o
ambiente se altera, e Natalino leva Bia para uma casa grande, luxuosa, com
altos muros e dentro em uma extensa mesa se exibe uma farta ceia Natalina. Bia
já ameaça pegar uma rabanada, quando Natalino faz uma advertência:
“- Tenha paciência, minha amiga. Aguarde os convidados.”
Entra um menino pela sala cantarolando:
“-Jingle Bell, Jingle Bell, Pudim, manjar e mel. Não faz
mal, não faz mal, bolinho de bacalhau. Oba, eu adoro o Natal. A gente espera,
espera até meia-noite para dar bastante fome e depois se empanturra de comida e
só acordapara lá do meio dia. Humm, falando nisso, vou beliscar uma rabanada.”
De repente, entre gritos e discussões, entra um casal de
namorados brigando:
“- Não, não e não. Por que você tem que passar o Natal
com a sua mãe? Eu não quero ficar nessa casa chata sozinha !” Esbraveja
a moça.
E, concomitantemente, entra o chefe da casa ostentando uma
garrafa de “Doze anos”, visivelmente embriagado. Um barulhão acomete o ambiente
e todos correm para a janela para ver o acidente que ocorreu na esquina.
Bia começa a bater em Natalino, em prantos:
“- Seu mentiroso. Você falou que ia me levar a uma festa.
Essa é a festa de Natal? É assim que as pessoas passam o Natal?”
Natalino acalma Bia alisando a sua fronte:
“- Eu não sou mentiroso. É assim que as pessoas passam o
Natal nos dias de hoje.”
“- Então me leva para o orfanato. Esse Natal é ruim. Não
quero mais ver Natal nenhum!” Tenta Bia puxar o braço de Natalino, mas
esse, fazendo uma singela oposição, diz;
“- Já que esse Natal é ruim, vamos tentar construir um
Natal diferente.”
“- Um Natal diferente?“
“- Sim, um Natal bom, um Natal com Nosso Senhor Jesus
Cristo.”
“- E como é que nós vamos mudar o Natal?”
“- Eu tenho uma idéia. Vamos até uma pessoa que pode nos
ajudar a mudar o Natal.”
“- E quem é essa pessoa?”
“- É o criador do Natal.”
Mais uma vez a realidade de Bia se altera e surge à sua
frente uma multidão no cume de uma elevação onde um homem falava a todos:
“- Amai-vos uns aos outros. Meus discípulos serão
reconhecidos por muito se amarem.”
A multidão permanecia extasiada pelo magnetismo das palavras
daquele homem. Bia pergunta espantada a Natalino:
“- Quem é esse barbudo aí?”
“- Respeito, Bia. Esse é Nosso Senhor Jesus Cristo. No
Natal, nós comemoramos o seu aniversário. Se ele não existisse, o Natal não
existiria.”
“- E ele pode mudar o Natal?”
“- Claro, venha, vamos falar com ele.”
Natalino se aproxima de Nosso Senhor, que o brinda com um
abraço. Natalino não se faz de rogado:
“- Muita paz, Senhor. Esta é Bia e ela está muito
decepcionada com o Natal.”
Bia, apressadamente, completa:
“- Pois é, Senhor. O senhor inventou este tal de Natal e
agora ele está muito ruim.”
Nosso Senhor, com um sorriso de mansuetude, volta-se para
Bia em tom carinhoso:
“- Minha amiguinha, o Natal é a coroação da vitória da
paz e do amor no planeta Terra.”
“- Não é não! Eu vi bebida, acidentes, comilança e muita
briga neste tal Natal. Ou o senhor faz um Natal diferente ou acaba
logo com esse Natal.” Responde de pronto Bia, já invocada.
“- Amiguinha, volto a dizer que o Natal é amor nos
corações. Venha Natalino, venha Bia. Vou mostrar-lhes o Natal diferente que vocês
tanto buscam.”
E colocando a mão sobre a fronte dos dois, um
turbilhão de energia envolve os três, que aparecem em uma casa com uma ceia
simples sobre a mesa de uma sala. Entra uma senhora calmamente folheando um
livro. Quando ela se senta, dois jovens entram para lhe dar um grande abraço.
“- Mãezona, que bom que você veio. Tá mais corada, né.
Como está a Tia Marta?” Perguntam os dois em meio de abraços
calorosos.
Os netinhos também abraçam a vó, que lhes entrega pequenas
lembranças e lhes diz:
“- Meus netinhos, só deu para comprar esses presentes,
pois como vocês sabem, a vovó ajuda na Campanha da roupinha de Natal.”
Nosso Senhor toca o ombro de Bia e diz:
“-Veja, Bia, para eles o Natal é bom.”
“- É, mas é meio paradão.”
Retruca a
menina.
Natalino arremata sem perda de tempo.
“- Mas veja, Bia, a alegria real estampada nos seus
rostos.”
Os jovens, enquanto arrumam a mesa, ouvem a porta bater e
era uma franzina mulher com uma criança no colo. Ao ver que a mesma pedia
alimento, eles não titubearam em oferecer-lhe pousada e abrigo, convidando-a
para a ceia de Natal. De mãos dadas, a mãe lê a passagem do evangelho que
retrata o nascimento de Jesus, em meio de uma manjedoura simples, cercado pelos
animais. Inicia uma cantiga de Natal, cantada por todos e logo Bia acompanha,
lembrando-se dos tios que haviam lhe ensinado aquela música no orfanato.
A cantoria envolve a todos com vibrações de Fraternidade e,
quando Bia abre os olhos, está no seu quarto no orfanato. Ela se levanta
rapidamente e sai pelos corredores do orfanato cantando a canção de Natal
aprendida e entrando em cada quarto, abraçando a todos.
Bia havia descoberto o Natal.
Marcus Vinicius de Azevedo Braga