terça-feira, 4 de setembro de 2012



Alexandre Fontes da Fonseca
Estaria o Espiritismo ultrapassado?... Ou 
muito na frente?
 

Nos últimos anos, o número de espíritas cresceu a uma taxa pouco acima da do crescimento da população brasileira, conforme apontam pesquisas recentes do IBGE [1,2]. Essa notícia, sem dúvida, demonstra o bom andamento das atividades de divulgação do Espiritismo, e estimula a continuidade e aprimoramento das mesmas.
Certamente, os avanços da tecnologia de armazenamento e divulgação de informação contribuíram para esse crescimento, o que nos mostra a responsabilidade que temos em nos instruirmos conforme orientação do Espírito de Verdade (item V do Cap. VI de O Evangelho segundo o Espiritismo[3]).
Entretanto, o mesmo progresso que facilita o acesso às obras e aos estudos espíritas também tem permitido o acesso a informações e estudos de teor moral e intelectual questionáveis e inseguros. No caso do movimento espírita, a facilidade de divulgar ideias e doutrinas espiritualistas próprias, e a de acessá-las, têm levado algumas pessoas a questionar o Espiritismo, propondo ao movimento espírita a adoção de práticas espiritualistas diferentes e alternativas em nome da modernidade. Em alguns casos, o próprio conhecimento científico tem sido invocado como razão suficiente para propor desde inovações na prática mediúnica até alterações na própria Doutrina Espírita, sob alegações de que seus conceitos estariam ultrapassados.
Alguns dizem que por causa do comentário de Kardec  (item 55 de A Gênese[4]) de que “Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará”, tais novidades deveriam ser aceitas sem questionamento pois que afinal são “verdades novas que se revelam”. Porém, o que está de fato acontecendo é que muitos companheiros espíritas, seduzidos por um discurso de atualidade de doutrinas e práticas alternativas e, principalmente, por não terem conhecimento profundo de teorias modernas da Ciência para avaliar essas mesmas doutrinas, estão cedendo ao apelo de se questionar a validade do Espiritismo na descrição da realidade espiritual.  
O receio que decorre da ignorância sobre o que é Ciência 
Como analisado por nós anteriormente [5], “o receio de a Ciência encontrar erros no Espiritismo se reflete na preocupação exagerada em vê-lo confirmado por ela ou relacionado às novidades científicas como, por exemplo, na ênfase dada a teorias e práticas espiritualistas baseadas na Física Quântica”. Esse receio, que decorre da ignorância sobre o que é Ciência e como ela se desenvolve, abriu uma brecha no movimento espírita: a possibilidade de se introduzir novas práticas usando termos e conceitos desconhecidos dos espíritas. Como consequência, erros graves podem ocorrer como no exemplo da proposta de atualização da resposta dada pelos Espíritos à questão número 34 de O Livro dos Espíritos [6] que, segundo alguns, estaria errada do ponto de vista da Física e da Química. Porém, o erro desta crítica estava na falta de conhecimento da Física que permite justamente demonstrar que a resposta dos Espíritos à questão 34 do L.E. está completamente correta  (ver artigo da ref. [7]). (*)
Se “Fé inabalável só o é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade” (Kardec, item 7 do Cap. XIX de O Evangelho segundo o Espiritismo [3]), como encarar críticas ao Espiritismo e propostas espiritualistas que usam conceitos da Ciência se poucos têm condições de avaliá-los? Como encarar a razão dos que dizem que o Espiritismo está ultrapassado? Essas são questões importantes e é oportuno observar que tanto no passado, quanto no presente, a espiritualidade tem demonstrado preocupação com alterações ou inovações indevidas no Espiritismo:
A Doutrina Espírita possui os seus aspectos essenciais em configuração tríplice. Que ninguém seja cerceado em seus anseios de construção e produção. Quem se afeiçoe à ciência que a cultive em sua dignidade, quem se devote à filosofia que lhe engrandeça os postulados e quem se consagre à religião que lhe divinize as aspirações, mas que a base kardequiana permaneça em tudo e todos, para que não venhamos a perder o equilíbrio sobre os alicerces em que se nos levanta a organização.” (“Unificação”, mensagem de Bezerra de Menezes recebida por D. P. Franco em 20-04-1963 [8]. Grifos em negrito nossos). 
Pode o Espiritismo ser considerado uma revelação? 
A programação que estabelecestes para este quinquênio é bem significativa, porque verteu do Alto, onde se encontrava elaborada, e vós vestistes-a com as considerações hábeis e aplicáveis a esta atualidade. Este é o grande momento, filhos da alma. Não tergiverseis, deixando-vos seduzir pelo canto das sereias da ilusão. Fidelidade à doutrina é o que se nos impõe, celebrando os cento e cinquenta anos da obra básica da Codificação Espírita. Não permitais que adições esdrúxulas sejam colocadas em forma de apêndices que desviem os menos esclarecidos dos objetivos essenciais da doutrina. (...) Sede fiéis, permanecendo profundamente vinculados ao espírito do Espiritismo como o recebestes dos imortais através do preclaro Codificador.” (“O Meio-Dia da Nova Era”, mensagem de Bezerra de Menezes recebida por D. P. Franco em 12-04-2007 [9]. Grifos em negrito nossos). 
Esses tempos atuais chamam-nos à fidelidade aos projetos do Espírito de Verdade, para que estejamos atentos a fim de que não abandonemos o trabalho genuinamente espiritista, passando a ocupar valioso tempo com palavrórios e disputas, situações e questões que, declaradamente, nada tenham a ver com a nossa Causa, por não serem da alçada do Espiritismo.” (“Definição e trabalho em tempos difíceis”, mensagem de Camilo recebida por Raul Teixeira em 11-11-2005 [10]. Grifos em negrito nossos).
Conforta-nos saber que Kardec não se esqueceu de analisar a importante questão da validade da Doutrina Espírita. No item 1 do Cap. 1 de A Gênese[4], Kardec lista questões fundamentais para o fortalecimento da fé espírita: “Pode o Espiritismo ser considerado uma revelação?”, “Neste caso, qual o seu caráter?”, “Em que se funda sua autenticidade?”, “A quem e de que maneira foi ela feita?”, e outras. Essas questões demonstram o cuidado de Kardec em munir o espírita de razões sólidas para assegurar a integridade do Espiritismo e orientar a condução do seu aspecto progressivo. Se não soubermos qual o caráter do Espiritismo, seus valores, suas bases, e os critérios utilizados na codificação, dificilmente saberemos nos posicionar perante as novidades que se apresentam na atualidade.  
O Espiritismo é a única doutrina que possui duplo caráter
O leitor encontrará em A Gênese [4] as respostas de Kardec a essas questões. Aqui, desejamos apenas destacar um detalhe muito importante que nos permite responder à pergunta título deste artigo: “Estaria o Espiritismo ultrapassado? ... Ou muito na frente?” Esse detalhe irá certamente contribuir para a nossa segurança em preservar a Doutrina Espírita conforme nos pedem Bezerra e Camilo. Mostraremos ao leitor que o Espiritismo, na verdade, como revelação, está à frente dos avanços de nosso tempo e não ultrapassado, como alguns acreditam.
Este detalhe, como já ressaltado em artigos anteriores [11,12], consiste da constatação de que o Espiritismo é a única doutrina ou teoria do conhecimento humano que possui duplo caráter de uma revelação! O “duplo” significa “dois tipos” possíveis: o caráter divino e o caráter científico de uma revelação. A codificação do Espiritismo ocorreu através de ambos, e o leitor é remetido ao item 13 de A Gênese [4] para verificar a explicação de Kardec. 
O caráter divino da revelação espírita decorre do fato de os conceitos fundamentais do Espiritismo serem oriundos da revelação dos Espíritos. O caráter científico decorre do fato de que, como meio de elaboração (Kardec, item 14 de [4]), “o Espiritismo procede exatamente da mesma forma que as ciências positivas, aplicando o método experimental”.
Como, em pleno século 21, não há doutrina ou teoria sequer que tenha o duplo caráter de uma revelação, podemos concluir que o Espiritismo é uma doutrina inédita e ao mesmo tempo única na história da humanidade! As teorias científicas e filosóficas possuem apenas o caráter científico de uma revelação, enquanto que todas as obras de natureza mediúnica possuem apenas o caráter divino de uma revelação.
Isso também nos leva a concluir com segurança que por mais que se reconheça o valor moral, literário e científico das obras psicografadas por médiuns exemplares como Francisco C. Xavier, Divaldo P. Franco, José Raul Teixeira, e muitos outros, essas obras não podem formar uma doutrina com o mesmo valor e caráter de revelação que o Espiritismo possui. Isso porque são elas apenas revelações de caráter divino.  
Como o progresso do Espiritismo deverá processar-se? 
O fato de algumas obras possuírem conteúdos científicos não é razão para considerarmo-las como tendo caráter científico de uma revelação, pois que esse caráter decorre da metodologia de pesquisa e descobrimento das novas ideias e não do tipo de novas ideias.
Assim, o Espiritismo, mesmo tendo sido codificado há século e meio atrás, demonstra estar, na verdade, ainda na frente de todas essas doutrinas, teorias e propostas espiritualistas, tanto de encarnados quanto desencarnados. Mesmo as doutrinas que se baseiam em conceitos considerados modernos não estão à frente do Espiritismo, por lhes faltarem desenvolvimento em um dos dois tipos de caráter. E, é importante dizer, essa característica única do Espiritismo não significa que ele não irá progredir. Porém, o progresso do Espiritismo deverá ocorrer respeitando-se o duplo caráter de uma revelação, isto é, deverá ocorrer através do estudo e da pesquisa sérias, aliado ao apoio da espiritualidade através do consenso universal. Portanto, não será meramente aceitando conceitos que não sabemos avaliar, mas queparecem modernos, que devemos incentivar alterações ou inserções no Espiritismo; não será nem com mensagens que aparentam elevação, nem com comparações superficiais com conceitos da Ciência, que novas práticas espiritualistas devem ser aceitas no movimento espírita. Quando não tivermos conhecimento bastante para avaliar uma novidade, seja ela proposta por encarnado ou por desencarnado, devemos seguir a recomendação de Erasto (item 230 de O Livro dos Médiuns [13]): “É melhor repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea.”
Percebemos, agora, o alcance e a sabedoria dessas palavras na defesa do movimento espírita e do Espiritismo. Não foi à toa que o Espírito de Verdade nos orientou a estudar com mais profundidade o Espiritismo.  

Nota: 
(*)  A questão 34 d´O Livro dos Espíritos diz o seguinte:
34. As moléculas têm forma determinada? “Certamente, as moléculas têm uma forma, porém não sois capazes de apreciá-la.”
a) — Essa forma é constante ou variável? “Constante a das moléculas elementares primitivas; variável a das moléculas secundárias, que mais não são do que aglomerações das primeiras. Porque, o que chamais molécula longe ainda está da molécula elementar.”

Referências: 
[1] http://oglobo.globo.com/infograficos/censo-religiao/ acessado em 5 de Julho de 2012.
[2] http://estadaodados.com/html/religiao/ acessado em 5 de Julho de 2012.
[3] A. Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, Editora FEB, 112ª Edição, Rio de Janeiro (1996).
[4] A. Kardec, A Gênese, FEB, 34ª Edição, Rio de Janeiro, (1991).
[5] A. F. da Fonseca, “O “Medo” da Ciência e a Atualização do Espiritismo: Parte I”, Reformador Julho, p. 18 (2011).
[6] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Ed. FEB, 1ª Edição, Rio de Janeiro (2006).
[7] A. F. da Fonseca, “A Física Quântica e as questões 34 e 34-a de O Livro dos Espíritos”, Reformador Dezembro, p. 14 (2008).
[8] D. P. Franco, pelo Espírito Bezerra de Menezes, “Unificação”, mensagem recebida em 20-04-1963 em Uberaba e publicada em Reformador Dezembro (1975).
[9] D. P. Franco, pelo Espírito Bezerra de Menezes, “O Meio-Dia da Nova Era”, mensagem recebida em 12-04-2007 em Brasília e publicada em Reformador Junho (2007).
[10] J. R. Teixeira, pelo Espírito Camilo, “Definição e trabalho em tempos difíceis”, mensagem recebida em 11-11-2005 em Brasília e publicada em Reformador Janeiro (2006).
[11] A. F. da Fonseca, “A Revelação Espírita”, Reformador Abril, p. 36 (2011).
[12] A. F. da Fonseca, “Espiritismo: único conhecimento humano que tem o duplo caráter de uma Revelação!” O Consolador 209 (2011). Link para o artigo: http://www.oconsolador.com.br/ano5/209/alexandre_fonseca.html acessado em 1º de Julho de 2012.
[13] A. Kardec, O Livro dos Médiuns, Ed. FEB, 1ª Edição, Rio de Janeiro (2008).

Alexandre Fontes da Fonseca é professor de Física na Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", em Bauru-SP.