sexta-feira, 21 de setembro de 2012

 

Considerações sobre o suicídio 

Parte 1 
 


 Embora tema complexo, trago-o à baila sensibilizada pela notícia da qual tomei conhecimento de modo tardio há algum tempo, acontecida em primeiro de agosto do ano de 1993 com um ator inglês que me encantou por sua interpretação magnífica do personagem Pierre Gringoire, o Poeta Maior em Notre Dame de Paris, na sua versão televisiva do ano de 1982 - Gerry Sundquist. Por razões que desconheço, nesse dia nefasto e já longínquo ele se suicidou, aos trinta e sete anos, em Norbiton Train Station, Londres, Inglaterra.
No entanto, a intenção ao discorrer sobre tal assunto se prende, antes, à devida exaltação da vida. Esse ator, ao que me parecia de escola sheakespeareana, era um excelente e talentoso artista, como se evidenciava nesse e em outros trabalhos seus no mundo da arte dramática. A pergunta que fica é a razão de tal ato extremo – ou razões, provavelmente muitas, uma autêntica amálgama intrincada.
O que leva alguém assim, supostamente bem-sucedido, famoso, com o seu trabalho reconhecido a nível internacional, belíssimo, a ver-se encurralado num beco sem saída tão absoluto a ponto de não achar nenhum respiradouro; a ponto de lhe ser mesmo indiferentes as suas grandes realizações como ser humano e como profissional, a admiração de muitos; o respeito e o reconhecimento pelo seu trabalho; e o amor de tantos que ficaram, certamente em estado lamentável de sofrimento decorrente da perda de um ser que lhes é caro, e que voluntariamente deixou os cenários do mundo desta forma brusca, intempestiva, e extremamente infeliz?
Desejo abordar um pouco esta questão do ponto de vista espírita – o único, a meu ver, que oferece sobre este complexo drama humano, diariamente presenciado em todo canto do planeta, alguma luz, algum esclarecimento lógico e plausível. 
André Luiz fala sobre a situação dos que creem
firmemente no nada após a vida física
 
O que tudo indica é que os que assim envidam tal atentado crucial contra a sua expressão de vida, vencendo em si mesmos a maior das resistências, qual seja o instinto de sobrevivência que, em circunstâncias normais, nos leva a perseverar e lutar pela vida até o nosso último fôlego – estas pessoas se veem vitimadas por um estágio de sofrimento crucial no seu universo íntimo: alguma situação desesperadora, seja de ordem material ou emocional; uma falência financeira crítica, uma perda amorosa aparentemente insuportável, ou mesmo um estado de tédio agudo: uma falta de objetivos avassaladora, para que estes indivíduos admitam a continuidade de uma existência que gradativamente perdeu as suas cores; que foi aos poucos se esvaziando, e paralisando numa letargia pétrea, aterrorizadora – e, com isso, perdendo todo o seu sentido.
Sim; o que testemunhamos nestes casos nos aparenta, na essência, um sem-número de situações provocadas por um extremo qualquer de frustração intransponível, crônica – ao menos da ótica daqueles que não enxergam mais atalhos nem alternativas, a um tal grau alucinatório, que lhes sobra apenas uma via de mão única: eliminar a si próprios; a ilusão de que, acabando com a existência que lhes parece miserável e desgraçada a um tal ponto irreversível, extermina-se também este estado terminal de sofrimento, para o qual não encontram mais forças nem razões que justifiquem ter que suportá-lo por mais tempo.
Lembro-me de um dos livros do Espírito André Luiz, psicografado pelo saudoso mestre Chico Xavier, onde ele se demora ouvindo a explicação minuciosa de um de seus orientadores da cidade espiritual Nosso Lar, a respeito do estado petrificado dos Espíritos que aportam na vida invisível debaixo dos lastimáveis efeitos da sua crença arraigada, enquanto reencarnados, de que, uma vez transpostos os limiares da transição corpórea, tudo haveria de acabar-se. A situação dos que creem firmemente no "nada" após a vida física, e que, obedecendo, na sua constituição de seres eternos, às iniludíveis leis que regem a Vida na sua expressão maior no Universo, atraem para si exatamente o estado no qual creem intransigentemente, segundo os parâmetros da causa e do efeito. O orientador explica a André Luiz que aquelas almas que ali se encontram naquele aspecto inerte, enrijecido, como se estivessem "mortas para a eternidade", não se acham mortas de fato – apenas expressam em si mesmas aquilo em que creem, e que defenderam durante todo o tempo, dominados pela visão míope do funcionamento maior da existência, de que se dispõe durante o período de condicionamento sensorial rígido e limitante da reencarnação.  
André Luiz nos relata ter sido classificado para
sua surpresa
como suicida 
Com o tempo, o lampejo de consciência, imbatível e inexorável, e que de si próprio se impõe, desde o minério adormecido nos primórdios da evolução, até os cumes de expressão vital dos anjos nas dimensões mais evoluídas do Cosmos – este lampejo também ali, naquelas almas enrijecidas, sobrepõe seu brado de convocação à realidade maior das coisas, que afinal os impulsionará ao despertamento natural, e à natural transmutação de seus conceitos noutros mais gratos, mais fidedignos à nossa gloriosa condição de filhos da eterna divindade.
Pois assim também se dá no funcionamento da Lei para com o suicida, este querido irmão de jornada merecedor da nossa melhor disposição amorosa, para lhe estender a luz da compreensão, da prece e do auxílio. Porque, se em situação ainda agravada ao se envidar tal atentado contra si mesmo em fase prematura da vida, se achará este indivíduo preso, durante extenso intervalo de tempo, à vivência inexorável daquele ápice de loucura e de sofrimento a que se abandonara na hora do gesto extremo. Como nada mais vislumbrara para além daquele instante; como nenhuma alternativa, nenhum atalho, nenhuma escolha a mais ou luz no fim do túnel admitia para si, de modo tão definitivo, o suicida fica, assim, preso dessa hipnose autoimposta: enrodilhado na insistência voluntária do seu estado mórbido de alma, e na visão repetitiva implacável do seu gesto extremo de violência contra si, em busca de uma libertação que, para seu sumo desvario desde então, não encontra, agravando os sofrimentos tidos como insuperáveis, mas que, da forma mais lastimável, descobre serem passíveis ainda de agravamento num tal estado indescritível de tormento espiritual.
Em Nosso Lar, André Luiz nos relata ter sido classificado – para sua surpresa – como suicida pelos técnicos da espiritualidade amáveis que o acolheram na cidade etérea memorável, descrita nas obras de Chico Xavier; e por razões talvez que mais amenas: pela sua incúria para com a sua saúde enquanto nas paisagens materiais, o que o levou a contrair as moléstias que o vitimaram ao ponto da transição, considerada prematura pelos devotados mentores. André Luiz nos descreve, textualmente: "Suicida! Suicida! Criminoso infame!" – gritos assim cercavam-me de todos os lados (...). Tais objurgatórias (...) perturbavam-me o coração. Infeliz, sim; mas, suicida?! (...) Sim (...) esclareceu o médico, demonstrando a mesma serenidade superior (...) – Talvez o amigo não tenha ponderado bastante. O organismo espiritual apresenta em si mesmo a história completa das ações praticadas no mundo (...). Vejamos a área intestinal. A oclusão derivava de elementos cancerosos, e estes, por sua vez, de algumas leviandades do meu estimado irmão, no campo da sífilis". 
O suicida é, antes de tudo, um doente da alma,
merecedor, pois, de nosso melhor carinho
 
Vemos no excerto o ensinamento da realidade maior no que se refere ao chamado suicida inconsciente, que conduz sua vida material à conclusão precoce em decorrência de um padrão de conduta leviano para com os cuidados devidos à saúde orgânica, diferente daquele que, via gesto brutal e extremo, dá fim intempestivo e dramático aos dias de modo até certo ponto lúcido, embora claramente dominado pelo que podemos facilmente admitir como um doentio estado alucinatório hipnótico que o subjuga à morbidez derrotista imbatível, à qual afinal sucumbe. Entretanto, se diferem as determinantes, os resultados se fazem equânimes. Se o estado orgânico do corpo sutil espiritual acusa e realça claramente os efeitos derivados das causas situadas na negligência com que o indivíduo se descuida de seu veículo físico, seu precioso instrumento de expressão nos palcos materiais para que bem cumpra seu fugaz compromisso no planeta, durante um mero momento na eternidade, também em quem atenta contra o seu corpo na lastimável ilusão de fim perpétuo, de si próprio, quanto dos problemas tidos como cruciais e invencíveis que o flagelam, se opera o triste resultado do ato impensado e sumamente enganoso.
Fica, pois, o suicida preso ao local do seu gesto ensandecido durante todo o resto do tempo que lhe faltaria à conclusão de sua vida física, e submetido ao incessante tormento das sensações dolorosas do corpo nos seus últimos momentos, saturado que se acha o seu perispírito (o corpo espiritual, ou sutil, réplica do físico, e veículo fiel das sensações do corpo mais grosseiro, e das impressões sensoriais experimentadas, à alma) do fluido vital necessário ao período de vida física, programado antecipadamente pelos técnicos que a cada um de nós auxiliam em cada retorno aos estágios de reencarnação; principalmente se se manteve este indivíduo destituído de qualquer noção de fundo espiritual, que, instintivamente, o induziria, flagelado pela dor, a solicitar o socorro do Mais Alto, de Deus, e dos amigos assistentes da invisibilidade que, se nestes momentos prescindem de chamado para ajudar – o que fazem de pronto em função de amor – não podem efetivar auxílio sem que o auxiliado se conscientize, por ele mesmo, do próprio estado precário, e da sua necessidade de ajuda.
O suicida, portanto, é antes de tudo doente da alma, em virtude do que merecedor de nosso melhor carinho, pensamentos e orações. É indivíduo vitimado por um estado desvirtuado de ser e de sentir a Vida na sua maior extensão. Iludido, sobretudo, pelo maior dos enganos: o de que aqui, neste microscópico mundo perdido no Cosmos, se encerra a nossa expressão última de existir, e toda a sua finalidade, com os seus enredos acanhados e incertos como as nuvens nos céus. Ignora, assim, o sem-fim do nosso percurso, e as alternativas inimagináveis que nos aguardam se, simplesmente, nos entregarmos ao saudável exercício de expandir nossa visão interior para além dos objetivos, valores, e conceitos puramente materiais, aprendendo que o corpo físico é, antes de tudo, veículo, instrumento – a nossa transitória expressão densa num orbe que nos recebe como hóspedes durante o nosso percurso evolutivo dentro da trajetória maior da eternidade que a todos aguarda, em cenários e contextos de vida inimaginavelmente melhores. 
A reencarnação é uma realidade que não se
prende a crença ou a descrença
 
Vivemos em tempos em que não se admitem mais meias palavras na elucidação de coisas importantes. Assim, no que aqui nos interessa mais de perto, e para atingir o ponto pretendido, preciso é que se diga: uma das maiores desgraças ocorridas para a saudável evolução mental e espiritual no ocidente foi a retirada arbitrária, pelo Concílio de Constantinopla em 553 d. C, das menções à realidade da reencarnação nos evangelhos.
Vejam bem que enuncio aqui, e de caso muito bem pensado, realidade! Porque já é ultrapassado o prazo para o entendimento de que a verdade da reencarnação não se prende a crença ou a descrença. Existe, tanto quanto o sol sobre as nossas cabeças; e se fará presente na trajetória de cada um de nós tantas quantas forem as vezes necessárias ao nosso entendimento de que o aprendizado e o crescimento são as metas da trajetória – não nenhuma suposta chegada estacionária nalgum paraíso entediante e mergulhado num eterno e inútil tocar de harpas; e nem tampouco nalgum inferno sádico e incoerente para com os propósitos grandiosos do Criador que a tudo gerou com equilíbrio e com finalidade sábia, que não é, jamais, a condenação de qualquer parte de Si mesmo a um castigo absurdo, perene, e despojado de qualquer objetivo maior para a contabilidade cósmica num Universo que a tudo aproveita e exalta na sua função, para glória maior da Vida!
O suicídio enreda seres que já nascem cerceados nesta armadilha: num mundo que, no decorrer dos últimos séculos, por imposição do poder religioso, se habituou a conceber o funcionamento da existência humana como uma viagem que começa no berço e acaba inapelavelmente no túmulo – tendo como único e diáfano reconforto a esperança de que, talvez, se for muito – mas muito! – bonzinho, livre de pecados, irá após a morte para o tal do céu!