Por que desapareceram - ou
desaparecem
os jovens espíritas?
Santa Catarina, Brasil, década de 80.
Confraternizações Regionais e Estaduais
de Jovens Espíritas movimentavam a “moçada” catarinense. Dias juvenis, tardes e
noites fraternas, encontros artísticos, gincanas, dias esportivos, semanas do
jovem e outros eventos integravam as mocidades das diferentes instituições,
como a fomentar a chama da continuidade, cativando cada vez mais participantes,
sobretudo os mais novos que, conforme iam trocando de idade, se empolgavam ante
a diversidade de realizações.
Tempo de plantios e colheitas...
Árvores vicejando, frutos abundantes...
Mas, espere!
Onde estão os
frutos, ou melhor, onde estão eles, os jovens espíritas?
Onde foram parar os
jovens “de ontem” e, em conseqüência, onde estão (e o que, de bom e produtivo,
fazem) os “de hoje”? Teremos jovens espíritas, amanhã?
Aquele era o tempo em que os
líderes do movimento jovem, bem como os dirigentes dos grupos sediados nas
inúmeras instituições eram filhos de pais espíritas, de famílias que se
conheciam há tempos, muitos dos quais, também, a partir dos encontros, passavam
a conviver mais proximamente, namoravam, noivavam e casavam, a maior parte,
entre os próprios espíritas.
E sua prole, em conseqüência, estava propensa a
continuar o trabalho dos pais, sendo assim e, portanto, os jovens espíritas de
hoje... Certo?
Errado!
Nem os pais nem os filhos, salvo raríssimas exceções,
perseveraram...
Se os primeiros, líderes da juventude daquela época, hoje em
dia (em sua esmagadora maioria) não se acham engajados no movimento, nem se
aglutinam nas diretorias das entidades espíritas, que se pode dizer em relação
aos seus filhos, sem o exemplo da continuidade?
Embora não seja possível
generalizar o diagnóstico para todos os cenários e casos, em
minha observação, procuro aqueles que, como eu, se destacaram na direção e
coordenação dos eventos descritos nas primeiras linhas deste artigo, os que
ombrearam comigo a composição de setores e departamentos na federativa local e
seus órgãos regionais e... não os encontro!
Onde estão eles?
O que aconteceu?
Alguns se arriscam a dizer que eles mesmos, com a maturidade – e os
compromissos inerentes à vida adulta – “tiveram” que se afastar.
O emprego, a
faculdade, o casamento, o sustento da família, a educação dos filhos, fatores
que, juntos ou separadamente, de acordo com a ênfase, a importância ou a
necessidade, “impuseram-lhes” as escolhas, a seleção de prioridades e... o
afastamento!
No quesito “exemplo”, não conseguiram repetir a história e a
trajetória de seus próprios pais, que, com iguais ou similares desafios, “davam
conta de tudo”, e não se afastaram.
Onde foi parar aquela “garra”,
aquele “espírito de luta”, aqueles ideais que enfrentavam, inclusive, muita
“cara feia” dos mais velhos, que preconceituosamente olhavam para os jovens
como “aquele grupo de baderneiros”, o “pessoal do violão”, “os rebeldes”, ou
coisa que o valha?
Quais os motivos que os levaram a abandonar o movimento, ou
a preferir um “lugarzinho” lá atrás, nas cadeiras ou bancos das últimas
fileiras, ao invés de capitanearem grupos e instituições?
Teço estas linhas sem o intuito
de crítica pessoal aos que “debandaram”, mas, do contrário, com o mote da
autocrítica, no sentido do próprio movimento espírita (re) avaliar o que
ocorreu – e ainda ocorre – para tentar “mudar” o futuro...
Sem me apresentar como o “dono da
verdade” ou o “mago da transformação”, assumo até o risco de ser
mal-interpretado, porque prefiro, por convicção de livre-pensador, o desafio da
polêmica à esquiva da omissão e da indiferença.
Por isso, a título de sugestão,
vejamos qual o destaque ou tratamento que é dado pelas instituições espíritas
em geral ao jovem. Observe, você mesmo, a instituição que freqüenta, ou aquela
de que participa mais ativamente. Há juventude ou mocidade? Ela se reúne
periódica e constantemente?
Que tarefas ou atividades desempenha? Ela está
“ambientada” com o Centro, isto é, ela interage positivamente com os demais
grupos ou setores da instituição?
Há um projeto político-pedagógico (o que é
isso, mesmo?), ou, pelo menos, um plano e, com ele, a avaliação periódica de
resultados? Há conexão entre o trabalho jovem e os que lhe antecedem e sucedem,
em termos de faixas etárias, ou seja, existe “sintonia” entre a(s) proposta(s)
da juventude e aquelas desenvolvidas pelas crianças (educação infantil) e
adultos (estudos sistematizados, grupos de médiuns e congêneres)?
Se você conseguiu responder
afirmativamente à maioria destes questionamentos, com certeza não será o foco do
presente artigo.
Afinal, ainda que inicialmente, nos parece que “as coisas andam
bem” e/ou existe “gente compromissada”, atenta ou especializada na temática,
nesta instituição.
O importante, então, é a preservação deste status
quo, a garantia de que esse estado permaneça e se aperfeiçoe.
Mas, caso alguma das respostas
tenha sido negativa (ou duvidosa), o problema já está instalado e, assim
entendo, o momento atual (de desânimo, marasmo, mesmice ou pouca valorização e
presença do jovem) é mera conseqüência.
“Acabaram” com o
trabalho juvenil, ou reduziram-no aos padrões que interessavam ao “controle” da
atividade (criatividade e liberdade) humana.
Permitam-me, para ser mais claro,
apresentar um comparativo. Os meios acadêmico e político geralmente se
ressentem da falta de “novos líderes”, pessoas que tenham uma trajetória
ascendente, produtiva, e, sobretudo, confiável.
Quem são os líderes e as
pessoas de destaque, que ocupam lugares estratégicos nas instituições?
Usualmente, pessoas mais velhas, algumas até na casa dos 50/60 anos. Tal é o reflexo
dos longos anos de ditadura, que castraram os movimentos populares,
espontâneos, naturais...
Os expoentes que temos, em sua maioria, de idade
madura, foram perseguidos, presos, deportados ou asilados e, depois,
anistiados.
Falta às gerações subseqüentes a confiança e o estímulo para
começar de novo, do “nada”, tal qual enunciava umjingle político-partidário
conhecido: “sem medo de ser feliz”.
No caso do Espiritismo, sem
querer criticar acentuadamente o “sistema”, penso que passamos por realidade
semelhante: evangelização, e não, como deveria ser, Educação.
O primeiro termo,
embora idealmente possa simbolizar a ascensão espiritual ou a moralização de
condutas, tem sido usado, na esteira da história, com propósitos distintos e
com resultados diferentes.
Por evangelização, levando-se em conta o projeto
nascido no seio da Federação Espírita Brasileira (FEB), em 1979, com o
lançamento de sua “campanha permanente”, as conseqüências foram a preferência
pelo aspecto moral (cunhado como religião espírita), a doutrinação dos adeptos,
a imposição de métodos padronizados, o privilégio à disciplina e à hierarquia e
o silenciamento dos participantes (jovens).
Do outro lado, como inclusive se
vem resgatando – da década passada para cá – se a política adotada na instituição
foi a da Educação Espírita, o sentido é bem diverso, com investimento na
formação integral do ser, considerada a totalidade da proposta espiritista
(filosofia, ciência e moral), evitando, como no projeto febeano, o
privilegiamento das “idéias morais”, a evangelização do ser.
Neste sentido,
figura a minha crítica ao modelo e, hodiernamente, a necessidade premente de
sua revisão, para readequação da política a moldes mais democráticos, plurais,
alteritários e inclusivos.
O jovem, meus amigos, em todos os
segmentos e ambientes sociais sempre é visto com desconfiança,
receio e, até, temor. Um funcionário neófito, com novas idéias e posturas, com
mais “vontade”, pode tomar o “seu” lugar.
Um aluno novo dissemina idéias
diferentes e pode mudar o rumo do trabalho e, até, por vir de outro lugar, traz
outros hábitos, ameaça a “tranqüila” rotina, a qual já estamos (todos)
acostumados.
Um filho, mais jovem que os demais, fará seus pais (e os irmãos
também) reverem conceitos, passarem por experiências renovadas, ou, então,
ficarão à margem do processo. Assim é a vida... Em geral, jovens substituem os
mais velhos e isto nem sempre é pacífico, natural e fraterno.
Cansei de ouvir, em diálogos com
certos dirigentes “antigos”, relatos de preocupação e uma certa expectativa em
relação às mudanças “eleitorais” nas instituições espíritas, como a temer que,
a qualquer momento, um jovem poderia colocá-lo “de escanteio”, substituindo-o,
alijando-o dos trabalhos, porque a “turma” estava ficando “encantada” com
algumas idéias, projetos, a fala ou as ações “daquele” moço...
Tudo na vida enseja a
naturalidade dos percursos, na marcha evolutiva.
Idéias são substituídas por
outras, assim como palavras, atitudes, comportamentos, rotinas,
realizações...
Penso que, no tema em tela, as causas
do fenecimento do movimento jovem envolvam diversos fatores.
Uns, pessoais,
conforme descrito nas primeiras linhas deste artigo, relacionadas às “escolhas”
de cada um, das quais, efetivamente, decorrem conseqüências (individuais e
coletivas); pouco podemos fazer neste sentido, em face do livre-arbítrio de
cada um.
Outros fatores, no entanto, nos interessam em especial, para aqueles
que se preocupam tanto com o jovem em si, quanto com o trabalho (atual e
futuro) das entidades espíritas: a continuidade e a progressividade.
Assim
sendo, entendo que somos responsáveis pelo resultado
(realidade) que aí está posto: o desaparecimento das juventudes e mocidades, a
dispersão dos jovens, o desinteresse pelas atividades (em geral) das
instituições, a inexistência ou pouca expressão das realizações juvenis em
parâmetros regionais ou estaduais etc., pelos seguintes motivos:
1− Não tratamos o jovem
adequadamente. Continuamos a vê-lo como ameaça à rotina da instituição, à sua
solidez estrutural e à comunidade espírita como um todo. Agimos, em relação a
ele, com desconfiança;
2 − Não o integramos
devidamente à instituição. É a decorrência da situação anterior, calcada no
pouco (ou nenhum) espaço institucional dado a ele (a não ser o horário da
própria juventude espírita), quando não no impedimento de que ele faça “coisas
diferentes”, ou assuma outras atividades na seara;
3 − Não promovemos ou
acompanhamos, nem apoiamos ou financiamos o trabalho juvenil. Se há um evento
jovem, o máximo que se vê é o dirigente aparecendo para a “prece de abertura”;
se não há como “vetar” uma realização juvenil, não se faz nada (não se move uma
palha) para divulgar ou enaltecer a atividade; se são necessários recursos
financeiros ou materiais-instrumentais, o jovem “que se vire”, faça cotas ou
tire do próprio bolso. “Dinheiro da casa, ele não terá” – dizem alguns – “para
essas coisas de juventude!”
As instituições espíritas, assim,
vão ficando mais “vazias” sem o entusiasmo e o vigor juvenis. Vão, digamos,
esmorecendo, minguando a olhos vistos. Não me atrevo a dizer que “fecharão as
portas”, porque sempre haverá idealistas, adultos dali mesmo ou vindos de
outros lugares, para a continuidade das tarefas.
E quanto aos jovens?
Que se dirá
a respeito deles?
Muitos, realmente, desistiram (e continuam desistindo).
Cansaram (ou cansam) dos olhares desconfiados, das “caras feias”, dos narizes
torcidos, da má-criação dos “velhos” dirigentes, do ter que se justificar
sempre, de tentar convencer (sem muito êxito), de “provar” que tinham (ou têm)
valor...
Foram-se (e continuam indo), preferindo o não-desgaste, o não-embate,
a tranqüilidade (ou o comodismo, quem sabe)... Ah, aqueles amigos da juventude,
os que ombrearam projetos e realizações, realmente não estão mais por aqui.
Nem
os filhos deles, igualmente...
Quem sabe, os netos possam estar, desde, é
claro, que hoje se faça algo, diferente, neste sentido. Eu estou tentando e
fazendo, modesta e limitadamente.
E você?
MARCELO HENRIQUE PEREIRA