ESPIRITISMO, ERROS DE INTERPRETAÇÃO E
OBRAS MEDIÚNICAS DUVIDOSAS
ANDRES GUSTAVO ARRUDA
O Espiritismo é uma doutrina que demanda certa acuidade por
parte de seus adeptos no respeitante à sua correta interpretação, bem como o
hábito de reflexão acerca dos seus postulados, de modo que o espírita
compreenda a doutrina tal como no-la entregaram os Benfeitores da Humanidade,
há 157 anos. Daí resulta o impositivo da busca pela interpretação a mais
acertada possível dos preceitos espíritas, sobretudo das obras que compõem a
Codificação. Tal mister por certo não é
fácil, porque os princípios fundamentais da doutrina [Deus, imortalidade da
alma, pluralidade dos mundos habitados, reencarnação, comunicabilidade dos
Espíritos] podem até ser simples de assimilar, mas a doutrina como um todo é
uma ciência que, no dizer de Kardec, não se aprende brincando, dada a
complexidade e a grandiosidade dos assuntos que nela são tratados.
Assim, é preciso que o segundo ensinamento dado pelo
Espírito de Verdade – o “instruí-vos” –, que encontramos em O Evangelho segundo
o Espiritismo, cap. VI, item V, seja colocado em prática, para que a pulcritude
dos postulados espíritas esteja garantida. Com isso, não se sugere, aqui, que
os espíritas sejam indivíduos portadores de títulos acadêmicos. Não é isto, mas
que tenhamos o mínimo de coerência doutrinária que, por extensão, fará com que
tenhamos igualmente o mínimo de coerência na vivência dos ensinamentos, que é o
mais importante, mormente em tempos de transição planetária por que passamos na
atualidade.
Com o advento das obras mediúnicas psicografadas por Chico
Xavier, o Espiritismo ganhou mais adeptos. Assim, o movimento espírita brasileiro
ganhou em quantidade, todavia perdeu em qualidade doutrinária, em face do
desnível existente entre os prosélitos no que concerne ao que o Codificador
denominou “maturidade do senso moral”, que independe da idade e do grau de
instrução, mas está ligada unicamente à capacidade de o Espírito encarnado
compreender a doutrina, principalmente as consequências morais.
Numa Casa Espírita deve prevalecer a doutrina espírita
O desnível em causa, não raro, enseja interpretações
errôneas dos preceitos doutrinários, resultando, também, na falta do que Kardec
definiu como “unidade de princípios” – que não significa pensar da mesma forma,
e sim, ter os mesmos objetivos em relação à doutrina –, a qual, juntamente com
o CUEE [Controle Universal do Ensino dos Espíritos] garantiriam a união dos
espíritas e uma intransponível barreira contra desvios doutrinários. Numa Casa
Espírita deve prevalecer, acima de tudo, a doutrina espírita, não a opinião
isolada do trabalhador A ou do trabalhador B, que nem sempre está de acordo com
a Codificação e com as obras complementares psicografadas por médiuns seguros.
Tal ocorre em razão dos erros de interpretação e também pela falta de estudo da
Doutrina dos Espíritos. Conjugado a estes dois fatores, surge outro: o
analfabetismo funcional, que infelizmente grassa em parte das nossas
instituições.
O confrade Geraldo Campetti Sobrinho, em seu artigo
Analfabetismo Funcional no Espiritismo, assim se exprime acerca do assunto em
testilha:(1)
A expressão [analfabetismo funcional] toma o substantivo
“analfabeto” como aquele indivíduo que não sabe ler e escrever. Associando-se o
adjetivo “funcional”, constrói-se o entendimento de que o “analfabeto
funcional” é a pessoa que consegue ler e escrever, porém não é capaz de
compreender o que lê e escreve. Ela decifra letras, sílabas e palavras, mas não
consegue interpretá-los ou entender seus significados. Os conceitos
apresentados no texto não são alcançados pelo leitor. Ao importar a
interessante expressão ao contexto espírita, cumpre-nos averiguar se também não
estamos diante de outra triste realidade: uma crise de “analfabetismo funcional
no Espiritismo”.
Os ensinos espíritas vêm sendo mal interpretados
Dessa forma, temos observado que, não obstante a existência
de grupos de estudo – os quais podem ser a profilaxia contra essas
interpretações equivocadas, dado que os chamados “facilitadores” tenham sólida
formação doutrinária –, os ensinos espíritas vêm sendo mal interpretados por
alguns espíritas. Além disso, há para o iniciante outro escolho dentro do
processo de aprendizagem da doutrina espírita. Esse escolho consiste nas obras
mediúnicas que vêm sendo psicografadas por alguns médiuns, as quais são
apresentadas ao público leitor em linguagem vulgar, leviana, absolutamente em
desacordo com o bom senso que toda obra espírita – mediúnica ou não – deve ter,
além de trazerem ataques a médiuns e dirigentes espíritas e teses ridículas
[como, por exemplo, a possibilidade de ocorrer reencarnação no mundo dos
Espíritos...]. Sucede que os autores desencarnados dessas obras são Espíritos
pseudossábios – conforme definição de Kardec – que pretendem confundir e criar
embaraços no movimento espírita, gerando a discórdia, a desunião, os ataques
indébitos entre confrades etc., e o fazem de forma sui generis, porque de
ordinário iniciam os capítulos dessas obras citando livros da Codificação e
outros de inequívoco valor, do ponto de vista doutrinário. É a tática
inteligente das Trevas que, a pouco e pouco, vão ganhando terreno dentro das
hostes espíritas, e com a aquiescência da silente comunidade espírita.
Por via de consequência, a compreensão e a própria imagem da
doutrina espírita acabam sendo conspurcadas pela proliferação dessas obras
mediúnicas antiespíritas, que muitos incautos reputam como legítimas. Afinal,
se o livro foi adquirido numa livraria espírita, presume-se que ela seja
espírita, sobretudo quando se trata de obra mediúnica – que, ao que parece,
possui um certo status de superioridade se comparada a obra de autor encarnado,
o que não se justifica, porquanto há excelentes obras de autores encarnados.
Temos examinado o que se publica em nome do Espiritismo?
Destarte, é necessária a conscientização dos dirigentes de
Casas Espíritas e dos responsáveis pelas livrarias e clubes do livro, no
sentido de analisarem as obras que chegam, antes de entregá-las ao público
leitor, que, na maioria das vezes, não sabe distinguir o que é ou não
Espiritismo, dado o seu parco aprofundamento no estudo das obras básicas.
Neste mesmo diapasão, questiona o esperantista José
Passini:(2)
O que responderemos àqueles que, ao ingressarem nos estudos
da Doutrina, nos perguntarem sobre isso? Onde está a nossa fé raciocinada? Onde
está o nosso zelo para com a Doutrina a que tanto devemos, face [sic] aos novos
horizontes que delineia para nós? Vamos seguir o sábio conselho de Paulo (I
Tes, 5: 21): "Examinai tudo. Retende o bem"? Temos examinado o que se
publica em nome do Espiritismo? Ou temos deixado correr? Quem é o responsável
pela fidelidade doutrinária?
Como dito, os autores desencarnados dessas obras são
Espíritos pseudossábios. Sobre essas entidades espirituais, adverte o Espírito
Vianna de Carvalho(3):
Esses Espíritos burlões e pseudossábios devem ser
esclarecidos e orientados à mudança de comportamento, depois de demonstrado que
não lhes obedecemos, nem lhes aceitamos as sugestões doentias, mentirosas e
apavorantes com as histórias infantis sobre as catástrofes que sempre
existiram, com as informações sobre o fim do mundo, com as tramas intérminas a
que se entregam para seduzir e conduzir os ingênuos que se lhes submetem facilmente...
O conhecimento real do Espiritismo é o antídoto para essa
onda de revelações atemorizantes, que se espalha como um bafio pestilencial,
tentando mesclar-se aos paradigmas espíritas que demonstraram desde o seu
surgimento a legitimidade de que são portadores, confirmando o Consolador que Jesus prometeu aos Seus discípulos e se
materializou na incomparável Doutrina.
Onde o movimento espírita é mais dinâmico, e por quê?
Atentemos para a seguinte expressão do Benfeitor acima
mencionado: “conhecimento real do Espiritismo”. Isto implica necessariamente a
busca por uma formação doutrinária consistente. Para tal, há uma oportuna
recomendação de Kardec:(4)
Dissemos que o melhor meio para as pessoas se esclarecerem
sobre o Espiritismo é, inicialmente, estudarem a sua teoria; os fatos virão a
seguir, naturalmente, e serão compreendidos, qualquer que seja a ordem em que
as circunstâncias os conduzam. Nossas publicações são feitas com a finalidade
de facilitar esse estudo; eis aqui, para obter esse resultado, a ordem que
aconselhamos:
A primeira leitura que deve ser feita é a deste resumo [O
Que é o Espiritismo], que apresenta o conjunto e os pontos mais dignos de nota
da Doutrina; com isso já se pode fazer uma ideia [sic] do assunto e obter-se a
certeza de que no fundo há qualquer coisa de sério. Nesta rápida exposição
procuramos indicar os pontos que devem, particularmente, prender a atenção do
observador. A ignorância dos princípios fundamentais é a causa das falsas
apreciações da maioria daqueles que julgam o que não compreendem, ou de acordo
com as suas ideias [sic] preconcebidas.
Se esta primeira exposição provocar o desejo de saber mais,
deve-se ler O Livro dos Espíritos, onde os princípios da Doutrina são
completamente desenvolvidos; depois O Livro dos Médiuns, para a parte
experimental, destinado a servir de guia àqueles que querem operar eles mesmos,
como àqueles que querem encontrar a solução dos fenômenos. Vêm, em seguida, as
diversas obras onde são desenvolvidas as aplicações e as consequências da Doutrina,
tais como: O Evangelho segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno segundo o
Espiritismo etc. [grifo nosso].
Percebendo, pois, a relevância dessas recomendações, o
Conselho Metropolitano Espírita [hoje, USE Regional São Paulo] lançou, em 1972,
a campanha Comece pelo Começo, objetivando popularizar as obras de Allan
Kardec. Temos observado que a Federação Espírita Brasileira vem levando adiante
esta campanha, o que nos alenta muito, visto que kardecizando os adeptos
iniciantes, ficará muito mais fácil promover a consciência doutrinária,
verdadeira panaceia a ser utilizada quando da instalação desse maligno vírus
chamado desvio doutrinário.
Interessante notar que nos lugares onde os adeptos são mais
esclarecidos – doutrinariamente falando – parece que o movimento espírita é,
por assim dizer, mais dinâmico, justamente porque os espíritas, nesses locais,
compreendem a grandiosidade do trabalho espírita, ao contrário daqueles onde
prevalecem a irresponsabilidade doutrinária e a falta de estudo, onde os que se
dizem espíritas estão sempre em busca de novidades, numa verdadeira azáfama
pela introdução de novos conceitos no corpo doutrinário do Espiritismo, os
quais afrontam sobremaneira os princípios e postulados deste último. Cabe aos
espíritas sinceros lutar pela preservação da pureza da doutrina – sem forçar
nenhuma consciência nem atacar quem quer que seja –, levar o Espiritismo a
todos os que se interessam por conhecê-lo, enaltecendo a importância do estudo
da Codificação, tendo como norte as sábias palavras do grande e respeitado Léon
Denis: “O Espiritismo será o que dele fizerem os homens”.(5) Pensemos nisso!
REFERÊNCIAS:
(1) SOBRINHO, Geraldo Campetti. Analfabetismo Funcional no
Espiritismo. Disponível em: http://www.febnet.org.br
(2) PASSINI, José. Responsabilidade Nossa. Disponível em:
http://passiniehessen.blogspot.com.br
(3) Mensagem psicografada pelo médium Divaldo Pereira Franco
no dia 7 de dezembro de 2009, durante o período de realização do XVII Congresso
Espírita Nacional, em Calpe, Espanha. Disponível em:
http://www.oconsolador.com.br/ano4/171/correiomediunico.html
(4) O Que é o Espiritismo, cap. I, pp. 78-79.
(5) No Invisível, introdução, p. 12.
BIBLIOGRAFIA:
KARDEC, Allan. O Que é o Espiritismo: introdução ao
conhecimento do mundo invisível pelas manifestações dos Espíritos, contendo o
resumo dos princípios da Doutrina Espírita e a resposta às principais objeções;
tradução de Albertina Escudeiro Sêco. 1.ed. – Rio de Janeiro: CELD, 2008.
DENIS, Léon. No Invisível: Espiritismo e mediunidade:
tratado de espiritualismo experimental. – 2. ed. – Rio de Janeiro: CELD, 2011.