segunda-feira, 30 de março de 2015


              ESPIRITISMO, ERROS DE INTERPRETAÇÃO E
                OBRAS MEDIÚNICAS DUVIDOSAS

ANDRES GUSTAVO ARRUDA

O Espiritismo é uma doutrina que demanda certa acuidade por parte de seus adeptos no respeitante à sua correta interpretação, bem como o hábito de reflexão acerca dos seus postulados, de modo que o espírita compreenda a doutrina tal como no-la entregaram os Benfeitores da Humanidade, há 157 anos. Daí resulta o impositivo da busca pela interpretação a mais acertada possível dos preceitos espíritas, sobretudo das obras que compõem a Codificação.  Tal mister por certo não é fácil, porque os princípios fundamentais da doutrina [Deus, imortalidade da alma, pluralidade dos mundos habitados, reencarnação, comunicabilidade dos Espíritos] podem até ser simples de assimilar, mas a doutrina como um todo é uma ciência que, no dizer de Kardec, não se aprende brincando, dada a complexidade e a grandiosidade dos assuntos que nela são tratados.
Assim, é preciso que o segundo ensinamento dado pelo Espírito de Verdade – o “instruí-vos” –, que encontramos em O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. VI, item V, seja colocado em prática, para que a pulcritude dos postulados espíritas esteja garantida. Com isso, não se sugere, aqui, que os espíritas sejam indivíduos portadores de títulos acadêmicos. Não é isto, mas que tenhamos o mínimo de coerência doutrinária que, por extensão, fará com que tenhamos igualmente o mínimo de coerência na vivência dos ensinamentos, que é o mais importante, mormente em tempos de transição planetária por que passamos na atualidade.
Com o advento das obras mediúnicas psicografadas por Chico Xavier, o Espiritismo ganhou mais adeptos. Assim, o movimento espírita brasileiro ganhou em quantidade, todavia perdeu em qualidade doutrinária, em face do desnível existente entre os prosélitos no que concerne ao que o Codificador denominou “maturidade do senso moral”, que independe da idade e do grau de instrução, mas está ligada unicamente à capacidade de o Espírito encarnado compreender a doutrina, principalmente as consequências morais. 
Numa Casa Espírita deve prevalecer a doutrina espírita
O desnível em causa, não raro, enseja interpretações errôneas dos preceitos doutrinários, resultando, também, na falta do que Kardec definiu como “unidade de princípios” – que não significa pensar da mesma forma, e sim, ter os mesmos objetivos em relação à doutrina –, a qual, juntamente com o CUEE [Controle Universal do Ensino dos Espíritos] garantiriam a união dos espíritas e uma intransponível barreira contra desvios doutrinários. Numa Casa Espírita deve prevalecer, acima de tudo, a doutrina espírita, não a opinião isolada do trabalhador A ou do trabalhador B, que nem sempre está de acordo com a Codificação e com as obras complementares psicografadas por médiuns seguros. Tal ocorre em razão dos erros de interpretação e também pela falta de estudo da Doutrina dos Espíritos. Conjugado a estes dois fatores, surge outro: o analfabetismo funcional, que infelizmente grassa em parte das nossas instituições.
O confrade Geraldo Campetti Sobrinho, em seu artigo Analfabetismo Funcional no Espiritismo, assim se exprime acerca do assunto em testilha:(1)
A expressão [analfabetismo funcional] toma o substantivo “analfabeto” como aquele indivíduo que não sabe ler e escrever. Associando-se o adjetivo “funcional”, constrói-se o entendimento de que o “analfabeto funcional” é a pessoa que consegue ler e escrever, porém não é capaz de compreender o que lê e escreve. Ela decifra letras, sílabas e palavras, mas não consegue interpretá-los ou entender seus significados. Os conceitos apresentados no texto não são alcançados pelo leitor. Ao importar a interessante expressão ao contexto espírita, cumpre-nos averiguar se também não estamos diante de outra triste realidade: uma crise de “analfabetismo funcional no Espiritismo”.

Os ensinos espíritas vêm sendo mal interpretados
Dessa forma, temos observado que, não obstante a existência de grupos de estudo – os quais podem ser a profilaxia contra essas interpretações equivocadas, dado que os chamados “facilitadores” tenham sólida formação doutrinária –, os ensinos espíritas vêm sendo mal interpretados por alguns espíritas. Além disso, há para o iniciante outro escolho dentro do processo de aprendizagem da doutrina espírita. Esse escolho consiste nas obras mediúnicas que vêm sendo psicografadas por alguns médiuns, as quais são apresentadas ao público leitor em linguagem vulgar, leviana, absolutamente em desacordo com o bom senso que toda obra espírita – mediúnica ou não – deve ter, além de trazerem ataques a médiuns e dirigentes espíritas e teses ridículas [como, por exemplo, a possibilidade de ocorrer reencarnação no mundo dos Espíritos...]. Sucede que os autores desencarnados dessas obras são Espíritos pseudossábios – conforme definição de Kardec – que pretendem confundir e criar embaraços no movimento espírita, gerando a discórdia, a desunião, os ataques indébitos entre confrades etc., e o fazem de forma sui generis, porque de ordinário iniciam os capítulos dessas obras citando livros da Codificação e outros de inequívoco valor, do ponto de vista doutrinário. É a tática inteligente das Trevas que, a pouco e pouco, vão ganhando terreno dentro das hostes espíritas, e com a aquiescência da silente comunidade espírita.
Por via de consequência, a compreensão e a própria imagem da doutrina espírita acabam sendo conspurcadas pela proliferação dessas obras mediúnicas antiespíritas, que muitos incautos reputam como legítimas. Afinal, se o livro foi adquirido numa livraria espírita, presume-se que ela seja espírita, sobretudo quando se trata de obra mediúnica – que, ao que parece, possui um certo status de superioridade se comparada a obra de autor encarnado, o que não se justifica, porquanto há excelentes obras de autores encarnados.
Temos examinado o que se publica em nome do Espiritismo?
Destarte, é necessária a conscientização dos dirigentes de Casas Espíritas e dos responsáveis pelas livrarias e clubes do livro, no sentido de analisarem as obras que chegam, antes de entregá-las ao público leitor, que, na maioria das vezes, não sabe distinguir o que é ou não Espiritismo, dado o seu parco aprofundamento no estudo das obras básicas.
Neste mesmo diapasão, questiona o esperantista José Passini:(2)
O que responderemos àqueles que, ao ingressarem nos estudos da Doutrina, nos perguntarem sobre isso? Onde está a nossa fé raciocinada? Onde está o nosso zelo para com a Doutrina a que tanto devemos, face [sic] aos novos horizontes que delineia para nós? Vamos seguir o sábio conselho de Paulo (I Tes, 5: 21): "Examinai tudo. Retende o bem"? Temos examinado o que se publica em nome do Espiritismo? Ou temos deixado correr? Quem é o responsável pela fidelidade doutrinária?
Como dito, os autores desencarnados dessas obras são Espíritos pseudossábios. Sobre essas entidades espirituais, adverte o Espírito Vianna de Carvalho(3):
Esses Espíritos burlões e pseudossábios devem ser esclarecidos e orientados à mudança de comportamento, depois de demonstrado que não lhes obedecemos, nem lhes aceitamos as sugestões doentias, mentirosas e apavorantes com as histórias infantis sobre as catástrofes que sempre existiram, com as informações sobre o fim do mundo, com as tramas intérminas a que se entregam para seduzir e conduzir os ingênuos que se lhes submetem facilmente...
O conhecimento real do Espiritismo é o antídoto para essa onda de revelações atemorizantes, que se espalha como um bafio pestilencial, tentando mesclar-se aos paradigmas espíritas que demonstraram desde o seu surgimento a legitimidade de que são portadores, confirmando o Consolador  que Jesus prometeu aos Seus discípulos e se materializou na incomparável Doutrina.
Onde o movimento espírita é mais dinâmico, e por quê?
Atentemos para a seguinte expressão do Benfeitor acima mencionado: “conhecimento real do Espiritismo”. Isto implica necessariamente a busca por uma formação doutrinária consistente. Para tal, há uma oportuna recomendação de Kardec:(4)
Dissemos que o melhor meio para as pessoas se esclarecerem sobre o Espiritismo é, inicialmente, estudarem a sua teoria; os fatos virão a seguir, naturalmente, e serão compreendidos, qualquer que seja a ordem em que as circunstâncias os conduzam. Nossas publicações são feitas com a finalidade de facilitar esse estudo; eis aqui, para obter esse resultado, a ordem que aconselhamos:
A primeira leitura que deve ser feita é a deste resumo [O Que é o Espiritismo], que apresenta o conjunto e os pontos mais dignos de nota da Doutrina; com isso já se pode fazer uma ideia [sic] do assunto e obter-se a certeza de que no fundo há qualquer coisa de sério. Nesta rápida exposição procuramos indicar os pontos que devem, particularmente, prender a atenção do observador. A ignorância dos princípios fundamentais é a causa das falsas apreciações da maioria daqueles que julgam o que não compreendem, ou de acordo com as suas ideias [sic] preconcebidas.
Se esta primeira exposição provocar o desejo de saber mais, deve-se ler O Livro dos Espíritos, onde os princípios da Doutrina são completamente desenvolvidos; depois O Livro dos Médiuns, para a parte experimental, destinado a servir de guia àqueles que querem operar eles mesmos, como àqueles que querem encontrar a solução dos fenômenos. Vêm, em seguida, as diversas obras onde são desenvolvidas as aplicações e as consequências da Doutrina, tais como: O Evangelho segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno segundo o Espiritismo etc. [grifo nosso].
Percebendo, pois, a relevância dessas recomendações, o Conselho Metropolitano Espírita [hoje, USE Regional São Paulo] lançou, em 1972, a campanha Comece pelo Começo, objetivando popularizar as obras de Allan Kardec. Temos observado que a Federação Espírita Brasileira vem levando adiante esta campanha, o que nos alenta muito, visto que kardecizando os adeptos iniciantes, ficará muito mais fácil promover a consciência doutrinária, verdadeira panaceia a ser utilizada quando da instalação desse maligno vírus chamado desvio doutrinário.
Interessante notar que nos lugares onde os adeptos são mais esclarecidos – doutrinariamente falando – parece que o movimento espírita é, por assim dizer, mais dinâmico, justamente porque os espíritas, nesses locais, compreendem a grandiosidade do trabalho espírita, ao contrário daqueles onde prevalecem a irresponsabilidade doutrinária e a falta de estudo, onde os que se dizem espíritas estão sempre em busca de novidades, numa verdadeira azáfama pela introdução de novos conceitos no corpo doutrinário do Espiritismo, os quais afrontam sobremaneira os princípios e postulados deste último. Cabe aos espíritas sinceros lutar pela preservação da pureza da doutrina – sem forçar nenhuma consciência nem atacar quem quer que seja –, levar o Espiritismo a todos os que se interessam por conhecê-lo, enaltecendo a importância do estudo da Codificação, tendo como norte as sábias palavras do grande e respeitado Léon Denis: “O Espiritismo será o que dele fizerem os homens”.(5) Pensemos nisso!

REFERÊNCIAS:
(1) SOBRINHO, Geraldo Campetti. Analfabetismo Funcional no Espiritismo. Disponível em: http://www.febnet.org.br

(2) PASSINI, José. Responsabilidade Nossa. Disponível em: http://passiniehessen.blogspot.com.br
(3) Mensagem psicografada pelo médium Divaldo Pereira Franco no dia 7 de dezembro de 2009, durante o período de realização do XVII Congresso Espírita Nacional, em Calpe, Espanha. Disponível em: http://www.oconsolador.com.br/ano4/171/correiomediunico.html

(4) O Que é o Espiritismo, cap. I, pp. 78-79.

(5) No Invisível, introdução, p. 12.

BIBLIOGRAFIA:
KARDEC, Allan. O Que é o Espiritismo: introdução ao conhecimento do mundo invisível pelas manifestações dos Espíritos, contendo o resumo dos princípios da Doutrina Espírita e a resposta às principais objeções; tradução de Albertina Escudeiro Sêco. 1.ed. – Rio de Janeiro: CELD, 2008.
DENIS, Léon. No Invisível: Espiritismo e mediunidade: tratado de espiritualismo experimental. – 2. ed. – Rio de Janeiro: CELD, 2011.