sábado, 29 de agosto de 2015

                                                              Cegueira

O ínclito escritor português, José Saramago, assim inicia sua obra:
(...) O sinal verde acendeu-se enfim, bruscamente os carros arrancaram, mas logo se notou que não tinham arrancado todos por igual. O primeiro da fila do meio está parado, deve haver ali um problema mecânico qualquer, o acelerador solto, a alavanca da caixa de velocidades que se encravou, ou uma avaria do sistema hidráulico, blocagem dos travões, falha do circuito elétrico, se é que não se lhe acabou simplesmente a gasolina, não seria a primeira vez que se dava o caso. O novo ajuntamento de peões que está a formar-se nos passeios vê o condutor do automóvel imobilizado a esbracejar por trás do para-brisa, enquanto os carros atrás dele buzinam frenéticos. Alguns condutores já saltaram para a rua, dispostos a empurrar o automóvel empanado para onde não fique a estorvar o trânsito, batem furiosamente nos vidros fechados, o homem que está lá dentro vira a cabeça para eles, a um lado, a outro, vê-se que grita qualquer coisa, pelos movimentos da boca percebe-se que repete uma palavra, uma não, duas, assim é realmente, consoante se vai ficar a saber quando alguém, enfim, conseguir abrir uma porta:

Estou cego.

A trama, muito bem engendrada pelo magistral escritor, envolve o leitor e o faz refletir acerca das misérias humanas. A obra é permeada por situações angustiantes, degradantes, aflitivas, que denotam a condição humana.

 É um libelo contra as injustiças sociais, contra a moral e os costumes aviltantes.

Em O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo X, intitulado: Bem-aventurados os que são misericordiosos, encontramos o excerto do Mestre Nazareno, que transcrevemos abaixo:

Como é que vedes um argueiro no olho do vosso irmão, quando não vedes uma trave no vosso olho? 

Ou, como é que dizeis ao vosso irmão: ─ Deixa-me tirar um argueiro do teu olho ─, vós que tendes no vosso uma trave? Hipócritas, tirai primeiro a trave do vosso olho e depois, então, vede como podereis tirar o argueiro do olho do vosso irmão. (Mateus, 7:3 a 5). 

Interessante o paralelo que se pode estabelecer entre a obra de Saramago e a passagem evangélica. Em verdade, para se analisar as mazelas que estão em nós mesmos, faz-se mister que nos transportemos para fora de nós mesmos e nos perguntemos:

“Que pensaria eu se visse alguém fazer o que faço?”.
É imperioso que nos coloquemos diante de um espelho e nos autoanalisemos.

Diz-nos o evangelho que o orgulho e a vaidade nos obstam tal reflexão.
Curiosamente, porém, Saramago elege a figura feminina como a única a conseguir ver diante da cegueira branca.

Assim, a obra é passada ao leitor pelos olhos daquela única personagem que vê.

Não é fortuita tal eleição pelo feminino. Já é um atributo da mulher a nobreza nos sentimentos. Logo, ela não precisa ver para compreender determinada situação

. Ao contrário, ela sente e, por sentir, consegue compreender e, por conseguinte, AMAR!

Falta-nos justamente essa percepção, essa sublimação dos sentimentos, já que temos os olhos oblíquos para o negativo, para os estereótipos, para a maledicência, para o orgulho e a vaidade.

O Mestre de Nazaré já sabiamente nos recomendava

tirai primeiro a trave do vosso olho e depois, então, vede como podereis tirar o argueiro do olho do vosso irmão”,

quer dizer, devemos envidar todo o esforço para nos tornarmos bons, probos, justos, caridosos.

E, imbuídos de virtudes espirituais, ao invés de julgarmos e achincalharmos os nossos irmãos, devemos traçar meios de melhor auxiliá-los, para a sua e a nossa edificação rumo ao Infinito de Eterno Amor.  

O consolador

Referências bibliográficas:  
KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 131. ed. Brasília: FEB, 2013. 
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. Disponível em:
http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt/

 

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

                                         Trabalhar não é sofrer

Ouve-se com frequência: “Toda profissão é honrosa, não há por que sentir-se humilhado com as tarefas simples”. Embora este pensamento seja verdadeiro, normalmente ele é aplicado aos outros, nunca a quem fala. 

As palavras ditas nem sempre são sinceras.

 No campo profissional grande parte das pessoas não se submete a trabalho humilde, segundo a opinião de que não é condizente com a sua posição.

 Fora da área profissional não é diferente para a maioria que, pelo mesmo e outros motivos, não gosta de cumprir pequenas tarefas que lhe dizem respeito, menos ainda as que não dizem.

Porém, num mundo como o nosso onde as situações podem mudar a qualquer tempo e sem aviso, a ocupação singela é um fato que pode se oferecer a qualquer pessoa, de inesperado. 

Neste caso o humilde acatará as atribuições naturalmente, com a sensação de cumprir um dever, o orgulhoso sofrerá descontente.  
  
Em linhas gerais, o conceito de trabalho que permeia a sociedade moderna está estritamente associado à permuta, à troca: trabalho por dinheiro. 

Fora das relações contratuais de trabalho, documentadas ou verbais, muitos não se sentem obrigados a nada. 

Já a visão do Espiritismo sobre a questão é bem outra e ultrapassa esses estreitos limites.

 “Toda ocupação útil é trabalho”, disseram os Espíritos a Allan Kardec (1). 

Com esse conceito abrangente, não só a atividade material conta, mas toda e qualquer ação da inteligência que vise ao bem comum, ao progresso individual e coletivo. Segundo o Espiritismo, o trabalho é meio de desenvolvimento material e espiritual.

Com esse entendimento – ainda estranho para a humanidade – o trabalho braçal ou intelectual, remunerado ou voluntário, passa a ter um sentido diferente, um caráter especial, compreendido também como instrumento de aprendizado e elevação, não somente de manutenção, e não só voltado para as necessidades imediatas do homem. 

O trabalho, na conceituação espírita, além de provedor da subsistência do corpo, é acumulador de experiências para a formação do patrimônio do Espírito.

O trabalho na Terra tem caráter compulsório, o homem precisa trabalhar para viver, consequência da sua natureza corpórea. 

Mas as convenções e os interesses humanos desvirtuam seu real significado, transformando-o num peso social, numa coisa tormentosa de que as pessoas se desincumbem com aborrecimento. 

Enquanto nos mundos mais adiantados a ociosidade parece ser um suplício, na Terra é tida como benefício, como faz lembrar a questão 678, de “O Livro dos Espíritos”. 

“Trabalhar não é sofrer, mas progredir, desenvolver-se, conquistar a felicidade”, afirma Herculano Pires em nota de rodapé ao capítulo “Lei do trabalho”, do mesmo livro.

Seguindo esse raciocínio, por menores aptidões que uma pessoa possa ter, jamais lhe faltará ocupação, seja para o seu sustento, seja na colaboração em prol da ordem, do progresso e da justiça social. 

Diante de tantos benefícios que Deus concede ao homem e das condições que cria para que ele aprimore sua inteligência, não se justifica que o indivíduo negligencie sua participação no desenvolvimento da vida ou mesmo se desculpe com não ter o que fazer. Deus é generoso e a natureza, pródiga.

O conceito espiritualizado de trabalho que o Espiritismo formula leva o homem à conquista de valores definitivos que o aproximam de condições bem mais felizes do que quaisquer cargos ou posições humanas possam oferecer.  

(1)  Questão 675 de “O Livro dos Espíritos”, Allan Kardec, LAKE Editora.

Claudia Bueno da Silva – O Consolador
 



segunda-feira, 10 de agosto de 2015



Com Kardec eu aprendi

Com a devida permissão do leitor para me utilizar de uma experiência pessoal, lembro-me dos tempos da juventude, passados quase 25 anos, quando me tornei espírita e frequentava o GECON-Grupo Espírita do Colégio Naval, núcleo religioso que funcionava na escola militar à qual eu pertencia, na aprazível cidade de Angra dos Reis-RJ, nos idos de 1990, e que até hoje atende aqueles jovens em regime de internato.

Nesse grupo, formado de adolescentes estudiosos e disciplinados, a nossa breve reunião ocorria de 17h às 17h50, alterando-se entre terças com o estudo de “O Livro dos Espíritos” e nas quintas com o Estudo de “O Evangelho segundo o Espiritismo”. 

Aprendi muito naqueles crepúsculos de discussão se abeirando nas obras básicas. Aprendi e aprendemos todos, amadurecendo nesse processo de interação mútua, de hora marcada, que às vezes se espraiava por discussões na hora do almoço.

Dessa experiência inicial, que compartilhei em outros grupos de outras casas espíritas de maneira similar, colhi duas percepções que trago comigo e que penso serem úteis se trazidas à reflexão, em especial no contexto atual do movimento espírita e a sua relação com o estudo doutrinário e temáticas correlatas.


Primeiro, tem-se a importância de se prestigiar o estudo das obras da codificação kardequiana, as chamadas obras básicas. Isso se deve à necessidade de entender uma doutrina pelas suas bases, pelo seu fundamento, entendendo as origens, da mesma forma que, em qualquer área do conhecimento humano, estudamos seus autores clássicos e a sua história.

Além disso, as questões postas por Kardec, sua metodologia, os problemas por ele enfrentados encontram-se atuais. Às vezes assistimos a programas de televisão com estudos de reencarnação, sobre a vida após a morte e aquele batalhão de céticos e, quando vemos, está tudo ali nas obras básicas, as ponderações, as argumentações no bom senso que tornaram o mestre lionês tão peculiar.

Não se trata de ortodoxia ou bitolação, mas falamos de um contexto de grande profusão de editoras e obras espíritas, de supervalorização de textos psicografados e ainda, de buscas pelas novidades literárias, por vezes com interesses mercadológicos, em uma selva louca e desvairada (parafraseando Vinicius de Moraes) na qual necessitamos de faróis seguros a nos guiarem e, em termos de metodologia e coerência, estou para ver coisa melhor que o Professor Rivail.

Isso não invalida as obras monumentais que temos à disposição, como os estudos e reflexões de autores encarnados do naipe de Hermínio Miranda, Herculano Pires e Richard Simonetti, somente para ilustrar, além daqueles clássicos da psicografia, nas obras pela pena de Divaldo Franco e Chico Xavier, entre outras. Obras essas que trouxeram reflexões e acrescentaram, sim, à construção da doutrina espírita um tijolinho, dado o seu caráter dinâmico, valorizado, inclusive por Allan Kardec.

Entretanto, penso que a casa espírita deve, nas suas preleções e grupos de estudos, valorizar as obras básicas, não por uma sacralização, mas pelo seu valor basilar, pela sua completude, coerência e metodologia, como forma de autonomia dos espíritas, que os habilitem a trafegar pelos inevitáveis mares no campo do conhecimento transcendente e que andam por aí.

A segunda colheita dessa experiência juvenil é que a abordagem do estudo espírita deve, na minha humilde opinião, valorizar o contato com as obras. Devemos utilizar a “Pedagogia do manuseio”, na qual os estudantes devem se abeirar do texto da obra, buscando a discussão em grupo, inclusive como o próprio Kardec fazia com mensagens trazidas de Espíritos.

 O coletivo traz sinergia, na máxima de um mais um é sempre mais que dois.

Observo alguns cursos superiores que abandonam os livros e passam a atuar com apostilas; alguns, meras cópias de lâminas exibidas nas aulas por professores polivalentes.

 Essa visão resumitiva, de tópicos, conteudista, é empobrecedora, favorece pouco a reflexão, em uma visão “pasteurizada” da prática educativa. 

No movimento espírita não ficamos livres dessa cultura apostilada, que por vezes favorece a “formatação” e esquece a reflexão.

É verdade, o pessoal gosta, em geral, de coisas mais facilitadas e a linguagem das obras básicas, por vezes, é complexa, por ser um texto antigo.

 Nesse sentido, têm surgido esforços de traduções mais contemporâneas, com notinhas explicativas, mas há de se considerar que uma boa discussão em grupo fortalece o aprendizado pela pesquisa e pelas dúvidas, tornando límpido o complexo.

Penso que devemos caminhar para um movimento que enxugue as palestras na grade da casa espírita e que se fortaleçam os estudos em grupo, que, de forma autônoma, favorecem a síntese e a discussão, gerando um conhecimento robusto e firme. 

A palestra chama as pessoas, mas o grupo as retém. A palestra é um mecanismo passivo enquanto grupo é interativo, de construção do saber, potencializado, se realizado à luz de uma obra relevante. No grupo de estudos é que forjamos o conhecimento espírita sólido.
O grupo de estudo exige esforço das pessoas, convoca à leitura, a falar, se expressar e se posicionar. Formam-se amigos, é democrático como espaço de participação e de revezamento da condução. Apresenta-se como modelo de estudo de excelência, antenado com as modernas tendências pedagógicas.

Por fim, insta considerar que valorizar Kardec não é só citá-lo em palestras ou artigos, por vezes com a inserção de trechos de seus livros sem contextualização. 

Trata-se de estudar a sua obra, entendê-la e transpô-la para nossos problemas atuais, enriquecida, obviamente, pelo que de bom surgir; se é espírita pelas ideias, pelos fundamentos, e não por um selo nominal.

A quantidade de obras é imensa, mas tudo começou lá na França, passados mais de 150 anos, e aqueles pressupostos, límpidos e razoáveis, ainda aplacam nossos anseios pelos problemas do ser, do destino e da dor. Não defendo a fossilização, saudando as produções vindouras, algumas basilares, mas devemos ter em mente a importância da obra de Kardec em nosso movimento.

Da mesma forma, reputo que esses estudos devem se fundamentar no manuseio de obras, enxergando naquelas linhas potencial de expansão de ideias que podem ser agregadas pela pesquisa em outras obras e pela opinião dos próprios integrantes do grupo.

 A doutrina não sobreviveu e se fortaleceu esses anos por ter criado uma bula proibitiva de conhecimentos, pela busca da padronização de ideias, e sim pela valorização do bom senso de discussão, fortalecendo seus adeptos, diante da razão em todas as épocas da humanidade.

À feição de antiga música do movimento espírita carioca, importa lembrarmos que “com Kardec eu aprendi que a vida não termina aqui”... E, daí, surgiu tudo isso de belo e consolador que vivenciamos hoje, que impulsiona vidas, ideais, trabalhos e modificações.

MARCUS VINICIUS DE AZEVEDO BRAGA

quinta-feira, 30 de julho de 2015


                                  A HISTÓRIA  DE VALÉRIA                                                                              CHICO XAVIER


Por volta de 1953 até 1959, quando mudamos para Uberaba, nós sempre, desde muitos anos, fazíamos assistência, uma assistência carinhosa de levar uma oração ou a expressão de fraternidade a doentes, a necessitados, quando uma senhora nos pediu para visitar a irmã dela, que tinha se tornado hemiplégica e muda.

A moça tinha uns 40 anos, chamava-se Valéria.

Então, fomos a primeira vez; nós fazíamos, sempre aos sábados, nossas visitas.

Íamos visitar Valéria, levávamos um pedaço de bolo, algumas balas. Isso que se dá a uma criança, porque a gente não podia fazer mais, mas visitávamos Valéria com muito carinho; eram diversas casas e ela, Valéria, estava numa delas. A irmã dela chamava-se D. Laura.

A casa se erguia num lugar onde, em Pedro Leopoldo, se construiu o recinto das exposições pecuárias; eu estou explicando, porque alguém na minha cidade poderá perguntar onde estava esta casa; estava no lugar onde está hoje o recinto das exposições pecuárias.

Então, todos os sábados, durante uns seis anos, visitávamos Valéria e levávamos uma prece, e ela guardava um pedaço de bolo debaixo do travesseiro. A irmã dela, a dona da casa, muito distinta, muito amiga, nos recebia com muito carinho.

Num sábado, eu fazia a prece; no outro sábado, outro amigo fazia a prece; no outro, uma senhora fazia a prece, e, assim, estávamos há uns seis anos, quando Valéria foi acometida por uma gripe pneumônica muito sé-ria e D. Laura chamou um médico e o médico avisou que ela estava às portas de uma pneumonia, e a pneumonia se manifestou.

A pneumonia se manifestou, e nós chegamos no sábado. Ela estava muito abatida e, todas as vezes que nós íamos, eu falava:

— Valéria, agora você fala Deus! (Ela lutava muito para falar, porque ela entendia tudo, mas não conseguia).

Eu falava assim:

— Jesus, Valéria!

Ela fazia força, mas a língua enrolava e ela não conseguia; isso se repetiu mais de seis anos, mas, neste sábado, a pneumonia...

Eu falei:

— D. Laura, ela está com febre muito alta, o que diz o médico?

— Bem, o médico, que está tratando, já deu bastantes antibióticos, e ela está bem medicada.

E eu falei assim:

— Está bem, agora, ao invés de virmos aos sábados, viremos todos os dias.

E ela sempre piorando. Então, num sábado, no último sábado, depois que fizemos a prece, eu falei:

— Valéria, fala Jesus, fala Deus!

E ela: ã, ã, ã, ã, ã, mas não falava. Eu falei:

— Valéria, Jesus andou no mundo, curou tanta gente, tantos iam buscá-lo nas estradas, na casa onde ele permanecia, e pediam a ele a graça da melhora, da cura e foram curados.

— Lembre-se de Jesus andando e você caminhando, embora você não esteja caminhando há tantos anos, lembre-se de você caminhando e chegando aos pés dele e dizendo: Jesus! Fale Jesus!

Aí ela falou:

— Josusu, Josusu!

Eu falei:

— Meu Deus, mas que alegria, Valéria falou o nome de Jesus, que coisa maravilhosa! D. Laura, venha cá para a senhora ver!

Ela com muita febre, mas ficou satisfeita falando:

— Josusu! Josusu!

E não me esqueço daquele nome vibrando nos meus ouvidos. Eu falei:

— Ela vai melhorar, ela está falando Jesus, D. Laura.

Nós todos muito alegres, ela sorrindo, mas desinteressada do bolo que tínhamos levado, a febre muito alta.

Eu falei:

— Valéria, repete, eu estou tão interessado de ver você falar o nome de Jesus. Fale Jesus, Jesus!

— Josusu, Josusu!

Mas dando todas as forças. Aí, eu disse:

— Se Deus quiser, ela está muito melhor.

Mas, no outro dia de manhã, chegou a notícia de D. Laura de que Valéria tinha falecido pela manhã, tinha desencarnado.

Fomos para lá, e tal, e lembramos muito aquela amiga que estava partindo. Comoveu-nos muito e sofremos bastante, porque ela era muito, era muito querida, uma criatura que não falava, mas tinha gestos extraordinários.

Mas os anos rolaram, os anos passaram, e eu mudei para Uberaba e, em 1976, fui vítima de um enfarte, enfarte que me levou ao médico, que me hospitalizou em casa.

Disse-me assim:

— Não, você pode conturbar o ambiente do hospital com visitas, é melhor você ficar hospitalizado em casa, a porta do quarto ficará com acesso apenas a esta senhora, que é enfermeira.

É uma senhora, que está conosco, de nome D. Dinorá Fabiano.

Então, D. Dinorá era a única pessoa que entrava, para eu ficar 20 dias mais ou menos imóvel e eu fiquei, mas isso não impedia que os espíritos me visitassem e, então, muitos amigos desencarnados de Pedro Leopoldo, de Uberaba, entravam assim à tarde ou à noite e eu conversava em voz alta.
E eu falei:

— D. Dinorá, quando a senhora me encontrar falando sozinho, a senhora não se impressione, eu estou conversando com alguém.

Ela falou:

— Não, eu compreendo, eu compreendo.

Ficou naquilo, não é?

E uma tarde entrou uma moça muito bonita (no quarto havia sempre uma cadeira perto da cama).

Ela entrou, eu falei em voz alta:

— Pode fazer o favor de sentar.

Ela falou:

— Você não está me conhecendo?

Eu respondi:

— Olha, a senhora vai me perdoar, eu tenho andado doente com problemas circulatórios e eu estou com a memória estragada e eu não estou me lembrando.

Mas era um desculpa, era porque eu não estava reconhecendo mesmo.
Então, ela falou assim:

— Mas nós somos amigos, eu quero tão bem a você.

Era uma moça morena, muito bonita; aí eu falei:

— Olha, eu não posso assim de momento fazer muito esforço de memória, porque o médico me recomendou repouso mental. Minha senhora, faça o favor de dizer o nome.

Ela falou assim:

— Não, eu não vou dizer, eu quero ver se você lembra; eu sou uma de suas amizades de Pedro Leopoldo.

Eu falei assim:

— Então, a senhora pode falar; se a senhora falar Maria ou Alice, eu conheço tantas. Então fale o sobrenome da família, porque pela família eu vou saber.

Ela falou assim:

— Não, eu não vou falar, eu vou falar um nome só; quando eu falar, você vai lembrar quem é que eu sou.

Eu falei:

— Então, a senhora faz o favor, fale o nome, o nome que a senhora quer falar e ela foi e falou assim:

— Josusu!

Eu disse:

— Meu Deus, é a Valéria! Meu Deus, Valéria, como você está bonita! Eu não mereço a sua visita.

Ela disse:

— Mas eu vim lembrar os nossos sábados, em que nós orávamos tanto. Eu me lembrei da última palavra e eu vim te trazer confiança em Jesus.

(Chico relata o episódio muito emocionado).

Pôs a mão no meu peito e a dor desapareceu.

Então, isso para mim, eu acho que o nome de Jesus é tão grande, é tão grande, que remove os nossos obstáculos orgânicos.

Eu estou com uma angina que ficou como sendo uma herança do enfarte, mas uma angina muito bem controlada. Eu sigo as instruções médicas, as instruções dos amigos espirituais, me abstenho de tudo aquilo que não posso usufruir, de modo que eu, graças a Deus, estou, vamos dizer, estou doente, mas estou são. Se alguém puder compreender...

Mensagem Espírita

sexta-feira, 17 de julho de 2015

                                                O HOMEM DE BEM


O verdadeiro homem de bem é aquele que pratica a lei de justiça, de amor e caridade, na sua maior pureza. 

Se interroga a sua consciência sobre os próprios atos, pergunta se não violou essa lei, se não cometeu o mal, se fez todo o bem que podia, se não deixou escapar voluntariamente uma ocasião de ser útil, se ninguém tem do que se queixar dele, enfim, se fez aos outros aquilo que queria que os outros fizessem por ele.

Tem fé em Deus, na sua bondade, na sua justiça e na sua sabedoria; sabe que nada acontece sem a sua permissão, e submete-se em todas as coisas à sua vontade.


Tem fé no futuro, e por isso coloca os bens espirituais acima dos bens temporais.

Sabe que todas as vicissitudes da vida, todas as dores, todas as decepções, são provas ou expiações, e as aceita sem murmurar.

O homem possuído pelo sentimento de caridade e de amor ao próximo faz o bem pelo bem, sem esperar recompensa, paga o mal com o bem, toma a defesa do fraco contra o forte e sacrifica sempre o seu interesse à justiça.

Encontra usa satisfação nos benefícios que distribui, nos serviços que presta, nas venturas que promove, nas lágrimas que faz secar, nas consolações que leva aos aflitos. Seu primeiro impulso é o de pensar nos outros., antes que em si mesmo, de tratar dos interesses dos outros, antes que dos seus. 

O egoísta, ao contrário, calcula os proveitos e as perdas de cada ação generosa.

É bom, humano e benevolente para com todos, sem distinção de raças nem de crenças, porque vê todos os homens como irmãos.

Respeita nos outros todas as convicções sinceras, e não lança o anátema aos que não pensam como ele.

Em todas as circunstâncias, a caridade é o seu guia. 

Considera que aquele que prejudica os outros com palavras maldosas, que fere a suscetibilidade alheia com o seu orgulho e o seu desdém, que não recua à idéia de causar um sofrimento, uma contrariedade, ainda que ligeira, quando a pode evitar, falta ao dever do amor ao próximo e não merece a clemência do Senhor.

Não tem ódio nem rancor, nem desejos de vingança. A exemplo de Jesus, perdoa e esquece as ofensas, e não se lembra senão dos benefícios.

 Porque sabe que será perdoado, conforme houver perdoado.
É indulgente para as fraquezas alheias, porque sabe que ele mesmo tem necessidade de indulgência, e se lembra destas palavras do Cristo: 

“Aquele que está sem pecado atire a primeira pedra”.

Não se compraz em procurar os defeitos dos outros, nem a pô-los em evidência.

 Se a necessidade o obriga a isso, procura sempre o bem que pode atenuar o mal.

Estuda as suas próprias imperfeições, e trabalha sem cessar em combatê-las. 

Todos os seus esforços tendem a permitir-lhe dizer, amanhã, que traz em si alguma coisa melhor do que na véspera.
Não tenta fazer valer o seu espírito, nem os seus talentos, às expensas dos outros. 

Pelo contrário, aproveita todas as ocasiões para fazer ressaltar a vantagens dos outros.

Não se envaidece em nada com a sua sorte, nem com os seus predicados pessoais, porque sabe que tudo quanto lhe foi dado pode ser retirado.

Usa mas não abusa dos bens que lhe são concedidos, porque sabe tratar-se de um depósito, do qual deverá prestar contas, e que o emprego mais prejudicial para si mesmo, que poderá lhes dar, é pô-los ao serviço da satisfação de suas paixões.

Se nas relações sociais, alguns homens se encontram na sua dependência, trata-os com bondade e benevolência, porque são seus iguais perante Deus. 

Usa sua autoridade para erguer-lhes a moral, e não para os esmagar com o seu orgulho, e evita tudo quanto poderia tornar mais penosa a sua posição subalterna.

O subordinado, por sua vez, compreende os deveres da sua posição, e tem o escrúpulo de procurar cumpri-los 
conscientemente. (Ver cap.XVII, nº 9)

O homem de bem, enfim, respeita nos seus semelhantes todos os direitos que lhes são assegurados pelas leis da natureza, como desejaria que os seus fossem respeitados.

Esta não é a relação completa das qualidades que distinguem o homem de bem, mas quem quer que se esforce para possuí-las, estará no caminho que conduz às demais.

O Evangelho Segundo o Espiritismo por ALLAN KARDEC 

– tradução de José Herculano Pires

sexta-feira, 10 de julho de 2015


           
Quando o cônjuge morre, o outro tem o direito 
                   de refazer sua vida sentimental? 
 
Dia desses recebi e-mail de um jovem, que assim dizia:

“Minha mãe morreu há 2 anos, meu pai, que ainda é jovem, está de paquera com uma moça... 

Mas e minha mãe? 
E o que eles viveram?
 Então ele não a amava?”

Respondi-lhe: 

Meu caro amigo, não se aflija por isso, o lugar de sua mãe no coração de seu pai é cativo. 

A história que viveram é deles, somente deles... 

O coração é elástico, quanto mais se ama mais cabe amor. 

Não é o fato de ele querer refazer a vida sentimental que o fará se esquecer de sua mãe. 

Não se preocupe com isso. 

Ademais, ele tem todo o direito de buscar a felicidade e não nos cabe podar as iniciativas dos outros que querem encontrar seu lugar ao sol. 

Sejamos benevolentes e apoiemos as pessoas em busca de sua felicidade. 

Abençoe seu pai e seu novo relacionamento. 

Vou lhe confessar algo: 

Também passei por isso. 

Minha mãe se foi e meu pai arrumou outra companheira. 

Foi a melhor coisa que aconteceu. 

Pessoa de ótimo caráter trouxe outra família para brindar a vida com a nossa. 

Pense nisso e seja feliz...

O Espiritismo trata com muita propriedade dos temas que inquietam o coração das pessoas.

 Basta que o estudemos para constatar que ele pode, realmente, responder a várias indagações da alma.

Ele nos mostra que ninguém é de ninguém, que somos Espíritos em evolução e em busca da felicidade.

 Sabedores de que o Espírito não morre e continua sua jornada na vida além-túmulo, naturalmente não morre o amor que sentimos pelos outros e os outros por nós. 

Em assim sendo, é razoável refletir que quando algum ente querido deixa este plano é perfeitamente aceitável que não cultivemos o sofrimento contínuo e nos abramos para um amor que poderá surgir.

Caso surja, vamos vivê-lo. 

Por que não?

Até porque a ideia de metade eterna é fantasia e não estamos fadados a viver com alguém pela eternidade.

Já tivemos, pelas inúmeras andanças, inúmeros companheiros e companheiras de jornada e o fato de termos nos relacionado com outros não apaga a nossa história com quem quer que seja.
Sim, somos seres que têm uma história!

E, por isso, quem nos ama deverá nos respeitar; respeitar nossas escolhas e querer nos ver bem e feliz.

Ilustrativa é a história do Espírito de André Luiz que, no plano dos Espíritos, ao saber que sua ex-companheira consumara matrimônio, sente uma ponta de ciúmes, mas depois reflete e percebe que o amor é sentimento que não pode conhecer exclusividade.

Reconhece-se o verdadeiro espírita pelos esforços que faz para domar suas más inclinações. 

Foi o que fez André Luiz: controlou-se.

A vida na Terra já não é “bolinho”. 

Se formos nos preocupar em podar a felicidade dos outros e querer anular a vida alheia porque a morte do corpo físico visitou nossa família, iremos complicar ainda mais a situação.

Vida mais leve, mais tranquila, certeza na imortalidade, menos cobrança e fé no futuro...

Isso o Espiritismo nos ensina, por isso é uma doutrina consoladora, e cabe-nos divulgá-la sempre...

Pensemos nisso.

Wellington Balbo  -  O consoldor

quinta-feira, 2 de julho de 2015

O tamanho das coisas

Por vezes, gastamos horas amuados, jururus, macambúzios e sorumbáticos, consumindo a nossa mente e as nossas horas em problemas corriqueiros, em coisas que não saíram como imaginávamos, em sonhos frustrados parcialmente.

 Iludidos ficamos, focados no ponto preto em meio a um grande quadro branco.

Nesse sentido, o poeta mato-grossense Manoel de Barros trata, em um de seus poemas, do tamanho das coisas, como no trecho a seguir:

“Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. 

A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor.

 Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade”.

A beleza da poesia pantaneira nos serve de inspiração para refletirmos sobre de que forma lidamos com os problemas habituais em nossa vida... Probleminhas, quando é do outro.

 Problemões, quando são os nossos... 

Maximizamos os nossos obstáculos, pela sua “intimidade”, e minimizamos os problemas alheios, pelo nosso egoísmo.

Seguimos assim, nos lamuriando de nossas cruzes, sem enxergar os martirizados à nossa volta.

 Se o gramado do vizinho é mais verde, a nossa cruz certamente será mais pesada...

Os Espíritos não se cansam de nos avisar desta realidade, onde destacamos a historieta intitulada “Aflitíssima”, no Livro “Bem-aventurados os simples” (Espírito Valerium, psicografia de Waldo Vieira), na qual a mulher se vê aflita com seus problemas, com questões comezinhas e busca o amparo de um dirigente espírita, que a consolava, ainda que não possuísse braços.


Na fieira das encarnações, avançamos diante de desafios inúmeros e a autocomiseração e o melindre não devem diminuir o nosso ritmo no enfrentamento dos problemas – chaves para a nossa evolução. 

O trabalho no bem, como terapia de múltiplas utilidades, também nos leva a conhecer outras realidades, de modo a mensurarmos, de forma mais realista, o “tamanho das coisas”, e percebermos que nossos fardos são leves, pelo acréscimo de misericórdia divina.

Falta-nos um sentido amplo da palavra otimismo, em um contexto no qual a doutrina espírita pode nos ajudar sobremaneira, a partir do momento que esta nos mostra uma visão ampla da existência, uma percepção concreta da eternidade, na qual tudo passa.

 E nos lembraremos desses fatos dolorosos apenas como uma lembrança alegre.

Necessitamos não só ampliar a visão em relação ao outro, mas também no que concerne à temporalidade.

 Para o Espiritismo a eternidade não é um dormir, em uma pseudoexistência, e sim uma sucedânea de vidas nas quais crescemos, aprendemos e superamos desafios e percebemos que a pequena luta de hoje se torna menor ainda amanhã.
Cabe registrar o dito n’O Evangelho segundo o Espiritismo, no seu Capítulo segundo: “Para aquele que se coloca, pelo pensamento, na vida espiritual, que é infinita, a vida corporal não é mais do que rápida passagem, uma breve permanência num país ingrato. 

As vicissitudes e as tribulações da vida são apenas incidentes que ele enfrenta com paciência, porque sabe que são de curta duração e devem ser seguidos de uma situação mais feliz“.

O otimismo não se confunde com a inatividade de uma vida repousada apenas na vida espiritual ou na depressão de problemas insolúveis no plano terreno.

 Na visão espírita, o otimismo nos aponta uma lógica de oportunidades, de superação pelo perdão, pelo amor, pela reparação, atuando sobre os problemas que julgamos enormes, mas que são ínfimos nos portfólios de almas que lutam pela evolução na crosta terrestre.

Assim, pelo prisma da vida espiritual, diante de nossos problemas, analisemos sua dimensão frente aos nossos irmãos, em outros espaços, e a nossa própria existência, na multiplicidade das vidas sucessivas, e veremos que tudo é pequeno, mas não insignificante, indigno de nossa tristeza e merecedor de nossa atenção.

O ponto de vista espírita nos enche de otimismo, afastando a tristeza que nos invade o coração, mostrando o real tamanho das causas de nossas aflições e a medida certa que deve ser nossa atitude: 

tristes pela nossa humanidade, ativos pela nossa espiritualidade.

As coisas têm o tamanho que a ela atribuímos!

 Sem sermos desleixados pelo nosso egoísmo, sem sermos melindrados pelo nosso orgulho, devemos sopesar cada problema, lembrando a nossa condição de Espíritos imortais em evolução com outros irmãos de jornada.

Assim, com o olhar renovado, nivelamos a vida em alto astral, na lição de que o tempo despendido em lamentações tem melhor uso se convertido em trabalho.


Marcos Vinicius de Azevedo Braga....O Consolador.