Sobre bodes
e cabras
Antigo adágio popular assevera que: “prendo minhas cabras, porque os bodes estão soltos”, referindo-se à necessidade de supervisão da conduta afetiva das jovens do gênero feminino, a despeito da liberdade inerente atribuída ao gênero masculino. Como todo ditado, revela uma sabedoria do senso comum, presente na cultura das comunidades e no cotidiano das ações.
Quando vejo jovens moças acompanhando os pais e
esses se orgulhando de dizer que a menina, quase na maioridade, ainda não
namorou, estampando na face a tranquilidade da “zona de conforto”, pelo fato de
estar protelando problemas e desafios dessa experiência, me preocupo muito.
Causa espanto e apreensão essa negação da vivência afetiva, entendida como uma
coisa positiva, como se o relacionamento afetivo fosse uma coisa sempre
nefasta, que deve ser adiada o máximo possível.
Essa visão dos pais, de que a menina está bem por
não ter interesse em relações afetivas, pode trazer prejuízos sérios à formação
de sua personalidade, decorrentes da fuga dos conflitos e das experiências
naturais da adolescência, por vezes encontrando até na religião um refúgio,
como no caso do voto de clausura[1]. Preocupa-me
muito mais a solidão juvenil.
O isolamento juvenil da vida amorosa diminui
aparentemente os riscos e as incertezas da vida, pode prometer curar chagas de
dores mal resolvidas e ainda, adiar a luta contra a timidez. Entretanto, ao
mesmo tempo, nega a vivência saudável e produtiva de uma relação afetiva, onde
se experimenta a dor da saudade, a força da paixão e a confusão do ciúme, tendo
a adolescência também esse caráter de “escola dos sentimentos”, preparando para
a vida.
A ausência de relacionamentos pode criar jovens
amedrontadas, inseguras e frágeis para a vida que se segue, onde se incluirá a
inevitável vivência de relacionamentos mais sérios e provavelmente o casamento.
Não ver óbices e até exaltar a jovem de uma certa idade que não vivencia o
namoro, por mais cômodo que seja para os pais, pode mascarar as frustrações de
uma mente reprimida, que sofrerá mais à frente, quando a vida a empurrar do
galho, tendo que, então, voar sozinha.
Da mesma forma, essa repressão polarizada no polo
feminino pode romper o diálogo, criando um reino de mentira, de pessoas de duas
caras, apresentando a família uma faceta e ao mundo masculino outra. O diálogo
com a família permite repartir dúvidas e fortalecer a visão da jovem, às vezes
ingênua diante das armadilhas da juventude, na divisão de impressões diante dos
“cantos de sereia” típicos à idade.
O dito popular citado reforça essa normalidade da
pseudopreservação feminina, que pode representar uma virtude aparente,
ocultando um sufocamento do convívio social, privando-a de uma das coisas belas
da vida, que é namorar. Essa visão sexista traz embutida uma percepção negativa
da afetividade, da relação entre as pessoas, do amor
romântico, proscrevendo estas potencialidades naturais do ser humano, sagradas e
benditas, como já nos asseverava Chico Xavier no programa “pinga fogo” (1971),
revelando que o problema não está na potencialidade e sim na imperfeição
humana.
O
complexo, o desafio posto, é encontrar o ponto de equilíbrio entre o zelo pela
criação da jovem e o medo da vida, associado às questões mal trabalhadas nos
corações dos próprios pais. A juventude é um momento de cuidado, crítico para
pais e jovens, em que todo o processo de educação, associado à bagagem do
Espírito, se vê confrontado com o mundo, na formação da personalidade.
Por isso,
adiar conflitos não conduz à solução dos mesmos, cabendo a orientação e o
diálogo, como remédios em doses homeopáticas diante das dificuldades,
inexoráveis, na existência do Espírito encarnado.
E para os
jovens leitores e leitoras, bem como seus pais, concluo a reflexão com um
trecho da poesia “Ter ou Não Ter Namorado? Eis a Questão!!!”, de Carlos
Drummond de Andrade:
"Quem
não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo.
Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é
muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrimas, nuvem,
quindim, brisa e filosofia. Paquera, gabiru, flerte, caso, transa,
envolvimento, até paixão, é fácil. Mas namorado mesmo, é muito difícil. (...)”.
MARCUS VINICIUS DE AZEVEDO BRAGA
acervobraga@gmail.com
Brasília, DF (Brasil)
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Brasília, DF (Brasil)