POR UMA SOCIEDADE MELHOR E DE PAZ
“A forma como fomos tratados
quando criança é a mesma como mais tarde tratamos a nossa vida” – Alice Miller.
Sabemos que não é tarefa do
direito nos transformar em cidadãos morais ou afetivos, porém ele impõe certos
comportamentos, principalmente em razão do temor da sanção (reprimenda, multa
e/ou castigo).
Logicamente o ideal seria que
nossa sociedade, em relação à criança e ao adolescente, já tivesse transcendido
qualquer alusão a “medidas educativas” regidas pela pedagogia negra, fundada no
princípio tosco (embora persuasivo), que impõe a necessidade de fazer o
educando passar por castigos físicos (ou tratamentos cruéis) a fim de alcançar,
no futuro, o status de “pessoa boa e civilizada”.
Ignoram esses pais (“cuidadores”)
que a criança, principalmente no primeiro setênio, aprende atitudes e
comportamentos pela imitação das ações e exemplos repetidos no ambiente físico
ao qual ela pertence. Logo, é responsabilidade de quem cuida do menor não ser
um modelo de tirania e repressão, mas sim um exemplo de empatia, cooperação e
atitudes democráticas.
A Lei Menino Bernardo (1) tem o
condão de estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e
cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante. A
proposição, de forma clara, aborda a realização de direitos que são inerentes a
crianças e adolescentes e indispensáveis a sua dignidade e pleno
desenvolvimento.
Como um Projeto de Lei que visa
alterar, e para aperfeiçoar, o Estatuto da Criança e do Adolescente, como
finalidade essencial, não busca penalizar os pais, mas sim, quando for o caso,
orientá-los a cumprirem determinados procedimentos, como cursos ou orientação
psicológica nas hipóteses de castigo físico, por exemplo. A depender da
gravidade da situação, o Conselho Tutelar poderá até mesmo acionar a polícia.
Entretanto, tudo isso está estabelecido no intuito de proteger o menor em
situação de “natureza disciplinar ou punitiva, com o uso da força física que
resulte em sofrimento físico ou lesão à criança ou adolescente” (trecho da Lei
que define castigo) (2).
Por resistência ou ignorância dos
pais, muitas vezes, o que chamamos de mau comportamento é apenas a única forma
que a criança conhece para expressar que suas necessidades básicas não estão
sendo atendidas.
É mau e injusto punir uma criança
porque ela responde de uma maneira natural à sensação de uma necessidade importante
que é negligenciada pelo adulto. Por esta razão, a punição não só é inadequada
a longo prazo, mas é certamente nociva.
Além disso, como as crianças aprendem
através dos modelos que seus pais representam, o castigo corporal transmite a
mensagem de que bater
é uma maneira adequada de exprimir seus sentimentos e de resolver os
problemas.
Se uma criança não tem a
oportunidade de ver seus pais resolverem os problemas de maneira firme, mas sem
o uso da violência, reconhecendo quem ainda se põe indefeso perante a casa e a
rua, dificilmente conseguirá ela aprender a fazer deste modo. Como efeito,
quando adulta, poderá reproduzir este tipo de paternidade/maternidade
incompetente e violenta com as gerações seguintes.
É fato: muitos ainda querem educar
uma criança de forma rude, intolerante, intercalada por “castigo e adulação”.
Desprezam que a criança, um ser dependente, irá reprimir-se para acomodar-se às
necessidades dos (maus) pais e se conduzirá ao desenvolvimento de um falso Eu –
pois o verdadeiro Eu não tem na infância, principalmente, oportunidade de se
desenvolver e se diferenciar, porquanto não encontra solo seguro, porém
amoroso, para experienciar/manifestar necessidades e apelos infantis.
Uma educação ética, mas sustentada
por um forte alicerce de amor, atenção e respeito, é a única e verdadeira
maneira de obter um comportamento recomendável, baseado em poderosos
sentimentos e valores, em vez de um “aparente filho (a) obediente e bonzinho
(a)”, mas encapsulado unicamente no medo (e no ressentimento).
Por fim, ainda que prosperem as
críticas e os ecos dos resistentes ao avanço do bom senso, se buscamos uma
sociedade melhor, se exigimos paz, solidariedade, precisamos formar as novas
gerações com novos princípios e valores, cujos projetos pessoais saibam também
priorizar, entre outras coisas, o respeito e a tolerância. No fundo, nosso
aprendizado coletivo e doméstico está ainda muito implicado com a capacidade de
suportar melhor uns aos outros, sem o uso das formas vis da violência…
Notas:
(1) O Projeto de Lei da Câmara
58/2014 foi (re)batizado de Lei Menino Bernardo em homenagem ao garoto gaúcho
Bernardo Boldrini, de onze anos, cujo corpo foi encontrado no mês de abril,
enterrado às margens de uma estrada em Frederico Westphalen, no Rio Grande do
Sul. O pai e a madrasta são suspeitos de terem participação na morte da
criança. E esta Lei foi aprovada pelo Senado em junho e está à espera da sanção
presidencial.
(2) A Lei Menino Bernardo define
tratamento cruel ou degradante como “conduta ou forma cruel de tratamento que
humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou adolescente”. Logo, a
proposição legal estabelece, portanto, que pais e responsáveis que maltratarem
seus filhos, criança e adolescente, sejam advertidos e chamados a participarem
do Programa de Proteção à Família, que oferece cursos e tratamento psicológico
e psiquiátrico. A vítima do castigo, por sua vez, receberá tratamento
especializado.
*Quem aplica as medidas? As
medidas são aplicadas pelo conselho tutelar da região onde o menor reside.
**O profissional de saúde, de
educação ou assistência social que não notificar o conselho tutelar sobre casos
suspeitos ou confirmados de castigos físicos poderá pagar multa de três a vinte
salários mínimos, valor que é dobrado na reincidência.
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