quarta-feira, 27 de maio de 2015

                                LEI MENINO BERNARDO
                POR UMA SOCIEDADE MELHOR E DE PAZ

“A forma como fomos tratados quando criança é a mesma como mais tarde tratamos a nossa vida” – Alice Miller.


Sabemos que não é tarefa do direito nos transformar em cidadãos morais ou afetivos, porém ele impõe certos comportamentos, principalmente em razão do temor da sanção (reprimenda, multa e/ou castigo). 

Logicamente o ideal seria que nossa sociedade, em relação à criança e ao adolescente, já tivesse transcendido qualquer alusão a “medidas educativas” regidas pela pedagogia negra, fundada no princípio tosco (embora persuasivo), que impõe a necessidade de fazer o educando passar por castigos físicos (ou tratamentos cruéis) a fim de alcançar, no futuro, o status de “pessoa boa e civilizada”. 

Ignoram esses pais (“cuidadores”) que a criança, principalmente no primeiro setênio, aprende atitudes e comportamentos pela imitação das ações e exemplos repetidos no ambiente físico ao qual ela pertence. Logo, é responsabilidade de quem cuida do menor não ser um modelo de tirania e repressão, mas sim um exemplo de empatia, cooperação e atitudes democráticas. 

A Lei Menino Bernardo (1) tem o condão de estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante. A proposição, de forma clara, aborda a realização de direitos que são inerentes a crianças e adolescentes e indispensáveis a sua dignidade e pleno desenvolvimento. 

Como um Projeto de Lei que visa alterar, e para aperfeiçoar, o Estatuto da Criança e do Adolescente, como finalidade essencial, não busca penalizar os pais, mas sim, quando for o caso, orientá-los a cumprirem determinados procedimentos, como cursos ou orientação psicológica nas hipóteses de castigo físico, por exemplo. A depender da gravidade da situação, o Conselho Tutelar poderá até mesmo acionar a polícia. Entretanto, tudo isso está estabelecido no intuito de proteger o menor em situação de “natureza disciplinar ou punitiva, com o uso da força física que resulte em sofrimento físico ou lesão à criança ou adolescente” (trecho da Lei que define castigo) (2). 

Por resistência ou ignorância dos pais, muitas vezes, o que chamamos de mau comportamento é apenas a única forma que a criança conhece para expressar que suas necessidades básicas não estão sendo atendidas. 

É mau e injusto punir uma criança porque ela responde de uma maneira natural à sensação de uma necessidade importante que é negligenciada pelo adulto. Por esta razão, a punição não só é inadequada a longo prazo, mas é certamente nociva. Além disso, como as crianças aprendem através dos modelos que seus pais representam, o castigo corporal transmite a mensagem de que bater é uma maneira adequada de exprimir seus sentimentos e de resolver os problemas. 

Se uma criança não tem a oportunidade de ver seus pais resolverem os problemas de maneira firme, mas sem o uso da violência, reconhecendo quem ainda se põe indefeso perante a casa e a rua, dificilmente conseguirá ela aprender a fazer deste modo. Como efeito, quando adulta, poderá reproduzir este tipo de paternidade/maternidade incompetente e violenta com as gerações seguintes. 

É fato: muitos ainda querem educar uma criança de forma rude, intolerante, intercalada por “castigo e adulação”. Desprezam que a criança, um ser dependente, irá reprimir-se para acomodar-se às necessidades dos (maus) pais e se conduzirá ao desenvolvimento de um falso Eu – pois o verdadeiro Eu não tem na infância, principalmente, oportunidade de se desenvolver e se diferenciar, porquanto não encontra solo seguro, porém amoroso, para experienciar/manifestar necessidades e apelos infantis. 

Uma educação ética, mas sustentada por um forte alicerce de amor, atenção e respeito, é a única e verdadeira maneira de obter um comportamento recomendável, baseado em poderosos sentimentos e valores, em vez de um “aparente filho (a) obediente e bonzinho (a)”, mas encapsulado unicamente no medo (e no ressentimento). 

Por fim, ainda que prosperem as críticas e os ecos dos resistentes ao avanço do bom senso, se buscamos uma sociedade melhor, se exigimos paz, solidariedade, precisamos formar as novas gerações com novos princípios e valores, cujos projetos pessoais saibam também priorizar, entre outras coisas, o respeito e a tolerância. No fundo, nosso aprendizado coletivo e doméstico está ainda muito implicado com a capacidade de suportar melhor uns aos outros, sem o uso das formas vis da violência…


Notas:

(1) O Projeto de Lei da Câmara 58/2014 foi (re)batizado de Lei Menino Bernardo em homenagem ao garoto gaúcho Bernardo Boldrini, de onze anos, cujo corpo foi encontrado no mês de abril, enterrado às margens de uma estrada em Frederico Westphalen, no Rio Grande do Sul. O pai e a madrasta são suspeitos de terem participação na morte da criança. E esta Lei foi aprovada pelo Senado em junho e está à espera da sanção presidencial.

(2) A Lei Menino Bernardo define tratamento cruel ou degradante como “conduta ou forma cruel de tratamento que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou adolescente”. Logo, a proposição legal estabelece, portanto, que pais e responsáveis que maltratarem seus filhos, criança e adolescente, sejam advertidos e chamados a participarem do Programa de Proteção à Família, que oferece cursos e tratamento psicológico e psiquiátrico. A vítima do castigo, por sua vez, receberá tratamento especializado.

*Quem aplica as medidas? As medidas são aplicadas pelo conselho tutelar da região onde o menor reside.

**O profissional de saúde, de educação ou assistência social que não notificar o conselho tutelar sobre casos suspeitos ou confirmados de castigos físicos poderá pagar multa de três a vinte salários mínimos, valor que é dobrado na reincidência.



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