quarta-feira, 20 de maio de 2015


Os adultecentes

Não me enganei ao digitar a palavra adolescente.

Você já vai entender de onde vem a palavra que dá título a este capítulo.

Como bom leitor, estou sempre com um livro à mão, seja ele espírita ou não. 

Digo isso porque conheço espírita que se vangloria de só ler livro espírita. 

E também se vangloria de só ir ao cinema ou teatro quando a temática é espírita. 

E também só assiste a programas de TV (novelas, jornalísticos...) se o tema for espírita.

 A eles, meus pêsames. 

Estão perdendo a oportunidade de travar conhecimento com ideias riquíssimas que marcam nosso tempo. 

Não entenderam que a Doutrina Espírita existe para libertar consciências, para conectar o homem com a atualidade, a fim de que ela seja enxergada sob a ótica da imortalidade da alma, e não para criar um bando de chatos sectários.

Um livro que muito me impactou e cuja leitura recomendo chama-seConsumido 

– Como o Mercado Corrompe Crianças, Infantiliza Adultos e Engole Cidadãos, do cientista político norte-americano Benjamin Barber.

Que vivemos numa sociedade de consumo, todos sabem.

 E que precisamos consumir para tocar nossas vidas, gerar riqueza e fazer a roda da economia girar, todos sabem também. 

Mas o autor, em plena consonância com os postulados espíritas, condena o consumismo, ou seja, o exagero, e mostra como essa sanha por 


e ter bens para ser alguém transformou crianças em adultos consumidores precoces e infantilizou adultos. 

Complicado? 

Explico: 
o mercado quer que as crianças cresçam logo para que se tornem adultos infantilizados que irão consumir com o próprio dinheiro toda sorte de produtos: 
tênis, camisetas, bonés, pizzas, refrigerantes... 

Daí o termo adultecente (o adulto que se porta como eterno adolescente) em português; kidult em inglês.

Um dos capítulos fala sobre como essa infantilização vem fazendo as pessoas preferirem o fácil em vez do difícil. 

Como assim?

 Não é melhor optar por um método mais fácil de executar uma tarefa? 

Claro que é. 

Quanto mais meios encontrarmos para facilitar nossa vida, melhor.

 Mas não é disso que Benjamin Barber trata.

 Nas palavras do autor,

 “Fácil versus difícil atua como um padrão para grande parte do que distingue o infantil do adulto (...).

 Fácil no reino da felicidade supõe que os prazeres simples triunfam sobre os complexos, enquanto os líderes espirituais e morais em geral dizem o contrário”.

Quem estuda a Doutrina Espírita sabe que não é fácil deixarmos de lado vícios morais e comportamentais e abraçar novos hábitos, adquirir virtudes. 

Tanto não é fácil que não dá para fazer isso em uma só encarnação. 

Por isso, voltamos várias vezes. 

Mas, por imaturidade, por infantilidade, muita gente opta por religiões que oferecem o céu num simples estalar de dedos. 

Afinal, é mais fácil arrepender-se dos pecados e garantir desde já um lugar ao lado de Jesus do que reencarnar várias vezes, burilar o caráter, perdoar inimigos, disciplinar a vontade... 

É complicado e leva tempo. E isso eu é que estou dizendo. 

Trouxe o raciocínio dele para dentro do pensamento espírita.

Para termos ideia de como os adultos andam infantilizados, adultecentes mesmo, vejamos o que o Benjamin Barber observa mais sobre o assunto:

“A nossa sociedade recompensa o fácil e penaliza o difícil. Promete lucros na vida àqueles que cortam caminho e simplificam o complexo a cada oportunidade. Perca peso sem fazer exercícios, case sem se comprometer, aprenda a pintar ou tocar piano com um manual, sem prática ou disciplina, adquira ‘diplomas de faculdade’ pela internet sem curso de aprendizagem ou trabalho, faça sucesso como atleta usando esteroides e chamando a atenção para as suas jogadas. (...) Como é mais fácil bater recordes nos esportes e conquistar a fama como atleta com esteroides do que sem eles! (...) Como é mais fácil mentir sobre o uso de drogas quando interrogado do que confessar a verdade! (...) Estudantes também acham fácil e totalmente justificável colar em provas e plagiar trabalhos escolares. (...) O fato de metade dos casamentos terminar em divórcio tem pelo menos alguma coisa a ver com as atitudes narcisicamente pueris e irresponsáveis que as pessoas levam para o casamento e para o divórcio e, é claro, para os filhos que seus casamentos produzem. (...) mais fácil assistir à TV, onde a imaginação é mais passiva, do que ler livros, onde a imaginação é mais ativa; mais fácil masturbar-se do que estabelecer relacionamentos dentro dos quais a sexualidade recíproca e a sensualidade interpessoal são componentes saudáveis; mais fácil manter um relacionamento sexual arbitrário e inconstante do que um relacionamento envolvendo compromissos. Em suma, é mais fácil ser uma criança do que um adulto, mais fácil brincar do que trabalhar, mais fácil deixar de lado do que assumir uma responsabilidade”.

Vou tomar a liberdade de acrescentar que é mais fácil estacionar o carro em local proibido (portas de garagem, faixas de pedestres, calçadas, vagas para deficientes etc.) do que procurar uma vaga. 

 E também é mais fácil jogar lixo no chão do que numa lixeira, nem sempre por perto. 

Muito mais fácil comer comida rápida e gordurosa (hambúrguer e batata frita, por exemplo), do que preparar algo mais saudável. 

É mais fácil discutir e esbravejar do que conversar de forma adulta. 

É mais fácil enriquecer sendo corrupto do que sendo perseverante e por aí vai.

O mundo está cheio de adultecentes.

Basta prestarmos atenção em muitos artistas e atletas que frequentam o mundo das celebridades. 

Casamentos que acabam com a mesma rapidez com que aconteceram, brigas e escândalos que terminam em delegacias, pessoas que se julgam as mais felizes do mundo simplesmente porque estão enchendo a cara, atores que precisam prestar depoimento numa delegacia e aparecem com um boné na cabeça, mas ao contrário... 

Se não quisermos nos dar ao trabalho de observar os famosos, basta prestarmos atenção em algumas pessoas que conhecemos. 

Familiares, colegas de trabalho, amigos de infância... E até em nós mesmos. 

Ou então, basta ter “olhos de ver” que os grandes sucessos cinematográficos dos últimos tempos são voltados ao “mercado adolescente esticado de pessoas de 13 a 30 anos”, como diz Barber.

E se trouxermos ainda mais o assunto para baixo da luz da imortalidade da alma? É mais fácil odiar do que buscar a reconciliação e perdoar. 

É mais fácil repetir os erros de vidas passadas do que se esforçar para melhorar. 

É mais fácil culpar os outros (supostos Espíritos obsessores incluídos) do que assumirmos nossa responsabilidade nos atos. 

É mais fácil fazer planos diabólicos para obter poder, fama e amor do que optar pelo caminho do trabalho, da renúncia e da abnegação... Enfim, a lista é longa e atesta como o ser humano ainda é imediatista, pueril, inconsequente...

Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, pergunta:

792. Por que não efetua a civilização, 
imediatamente, todo o bem que poderia produzir?

“Porque os homens ainda não estão aptos nem dispostos a alcançá-lo.”

Falta de disposição em alcançar o progresso tem a ver com indolência, preguiça moral, infantilidade. 

Quando avançarmos o suficiente para nos desprendermos do consumismo infantilizante, veremos o quanto podemos fazer por nós mesmos e pelo mundo que nos cerca. 

Enquanto isso, oremos e vigiemos, a fim de não tombarmos nos desvãos da adultecência estupidificante que anda por aí.

Quer saber mais sobre o assunto? Leia o livro. Eu recomendo. É muito bom.


Bibliografia:

1 -   BARBER, Benjamin R. Consumido – Como o Mercado Corrompe Crianças, Infantiliza Adultos e Engole Cidadãos.  Ed. Record, 1ª Ed., 2009, Rio de Janeiro, RJ.
 
2 -     KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Federação Espírita Brasileira (FEB), 60ª Ed., 1984, Brasília, DF.

 

 MARCELO TEIXEIRA O Consolador