quarta-feira, 30 de abril de 2014


                                     Filhos adotivos e nossas atitudes

1 – À luz do Espiritismo, quais as diferenças entre um filho adotivo e o filho consangüíneo? 

Como no ensina o Livro dos Espíritos, Item 205, a doutrina da reencarnação amplia a função dos laços de família enquanto proposta de vivência da fraternidade entre espíritos afins, e mesmo não afins mas que têm ajustes a realizarem nas suas convivências, tanto entre os chamados filhos legítimos como os filhos adotivos.

 Como nos ensina Emmanuel, essa doutrina nos mostra que “no vizinho ou no servo, pode achar-se um Espírito a quem tenhamos estado presos pelos laços da consangüinidade”.

Podemos pois, inferir com segurança que, em se tratando de espíritos encarnados numa ou noutra condição não há nenhuma diferença. Os chamados filhos do coração podem ser entendidos assim em toda a extensão que esta expressão possa conter quanto a co-responsabilidades paternais e filiais.

2 – Um filho natural pode ter o mesmo nível de carência afetiva do que um filho adotivo?

A carência afetiva não me parece estar atrelada ao fato de ser filho natural ou adotivo. O ser humano é, intrinsecamente, um ser carente. No entanto, vale evidenciar que o filho adotivo tem uma carência agravada pelo fato de ser um indivíduo rejeitado. Difícil haver um amor sobre a Terra que possa lhe tirar esta sensação. Ele vai ser feliz por ter sido aceito e amado, porém vai conviver com a rejeição.

3 – Toda adoção tem vínculos com as vidas passadas dos pais?

Não diria tal coisa. Podemos ser levados a pensar desta forma por causa da lei de ação e reação. No entanto isso pode não estar acontecendo num processo de adoção. Não posso pensar que trabalho durante anos num asilo de velhos por que tenho vínculo com todas aquelas pessoas idosas que ali estão. O afeto que dedico a eles é, antes de tudo, um afeto que não precisa estar sendo manifesto apenas por acerto de contas ou resgate por dívidas contraídas. Os gestos amorosos não precisam estar condicionados a dívidas pregressas.

4 – Qual a melhor forma para se contar para a criança que ela é adotiva?

Diria que se conta a uma criança que ela é adotiva assim como se ensina uma criança a perder o medo de escuro ou a ficar sozinha em casa. Aos poucos. Doses homeopáticas são o alimento afetuoso que vai fortalecer os sentimentos de confiança do ser que traz em si dúvidas por ter sido rejeitado.

5 – Até que ponto a revelação da adoção pode gerar conflitos emocionais e situações traumáticas?

Se essa revelação for sendo feita com cuidado e com afeto, não deverá causar traumas. No entanto os conflitos emocionais, em alguns casos poderão ser inevitáveis, não devido a maneira errada da revelação mas sim pelas características do espírito que está ali encarnado na condição de filho adotivo. Um espírito inseguro ou irascível ou que já traz em si uma baixa estima, provavelmente viverá conflitos causados por essa revelação. O que restará aos pais será uma missão ainda mais complexa no sentido de doar afeto, ter paciência e ser perseverante na tarefa que assumiram.

6 – Os adultos adotam crianças por amor ou por necessidade psicológica?

As duas coisas. Seria ideal que só o fizessem por amor. É bom dizer porém, que necessidades psicológicas desse calibre precisariam ser muito bem diagnosticadas e esclarecidas. Principalmente para que não estejam por trás dessa atitude, mecanismos psíquicos de compensação, de auto afirmação, de sublimação, de substituição, enfim mais relacionados a orgulho ou “status” do que a um legítimo ato de amor ou afeto. Não fosse assim teríamos menos rejeitados nos abrigos e “lares” como negros, feios, doentes, limitados intelectualmente e outros.

7 – A origem fiso-psíquica dos adotados, mesmo vivendo em uma boa estrutura familiar pode influenciar seus atos e atitudes no futuro?

Com certeza. O que é constituição de caráter vai estar presente pela vida toda. Um espírito problemático, rebelde será assim pela sua história e não pelo lar que o adotou. Pode aprender e assimilar o afeto que for a ele dedicado? Certamente, e isso pode mudar o seu rumo proporcionando um salto no seu progresso intelectual, moral e espiritual. “O Espírito dos pais tem a missão de desenvolver o dos filhos pela educação”. Esse mandato que está no Livro dos Espíritos parece-nos muito apropriado tanto a filhos naturais quanto a filhos adotados. A educação é a maneira correta de influenciar, lembrando porém que não se trata de “mudar” alguém mas sim de criar condições para que ali se dê o processo educativo juntando as oportunidades que o indivíduo tenha de perceber os ensinamentos e que toquem o seu espírito para que ele próprio, pelo seu livre arbítrio, mude o seu interior. Como nos ensina Paulo Freire, “o homem se educa a si mesmo”, porém facilitado pela condição educacional que o ambiente familiar oferecer.

8 – Os sentimentos (amor e mágoa) que a criança nutre pela mãe natural, podem ser transferidas para a mãe adotiva?

Com certeza. Hoje sabemos que os fetos tem uma intensa vida intra-uterina na relação com a mãe natural. Certamente ele já vive no útero que o gerou a dor de que vai ser rejeitado. Quando vier à luz se a mãe natural, por alguma razão, não o quiser ou não estiver livre para desejá-lo para ela, amor ou mágoa existirão e irão sim em forma de amarguras e dúvidas para a mãe adotiva. As dúvidas são inerentes aos espíritos amados e bem equilibrados, quanto mais para os espíritos que foram realmente enjeitados. O filho adotivo, muito provavelmente, terá nas suas raivas e rebeldias naturais (por exemplo na adolescência) o agravante de ter sido adotado. E a mãe natural será alvo desses sentimentos e emoções agravantes.

9 - Um filho adotivo problemático é sempre um “carma” que os pais precisam resgatar?

Não podemos pensar assim pois se não os filhos adotivos que dão certo e são felizes, produtivos e gratos, também teriam que ser considerados prêmios. Não podemos pensar numa providência divina que se utilize de seres encarnados para serem “carmas” ou troféus entregues a pais dedicados. Aliás falando de carma, vamos abandonar a idéia limitada e limitante de que os carmas são dívidas a serem pagas. Os carmas podem ser entendidos como heranças a serem transmutadas ou transformadas. É melhor pensar em carma como estímulo para o nosso desenvolvimento ou mesmo proposta de superação para o nosso progresso. Os carmas podem mesmo ser entendidos por talentos. O homem que enterrou o único talento recebido transformou-o em carma. O outro que multiplicou o talento recebido transformou-o e o multiplicou.

10 - Há mais facilidade em lidar com uma criança adotada recém nascida ou com aquela de maior idade?

Diria que a recém nascida é mais amoldável ao ambiente e aos costumes do casal que a adotou. A própria voz dos pais adotivos se farão ouvir desde muito mais cedo. A criança adotada de maior idade já terá passado outras experiências e também já sofrido mais as agruras da sua rejeição, quer pelos pais naturais ou pela experiência de viver num “lar” provisório ou mesmo na rua ou, sob a guarda de um juizado, ou então nas mãos dos pais naturais que a maltrataram. Não há dúvida que o processo de adaptação da criança de maior idade, será muito mais doloroso para todos, e muito mais difícil enquanto tarefa a ser assumida.


Referências Bibliográficas:
Maldonado, Maria Tereza – “Os caminhos do coração: pais e filhos adotivos”, Edit. Saraiva.
Miranda, Ermínio – “Nossos filhos são espíritos”, Edit. Arte e Cultura.
Oliveira, Amarilis de; Espírito Dori – “Pai Adotivo”, Edit. DPL
Sulloway, Frank J. – “Vocação: Rebelde”, Edit. Record
Xavier, Francisco Cândido; Vieira, Waldo – “Sexo e Destino”, F.E.B.
Xavier, Francisco Cândido; Espírito Emmanuel – “Vida e Sexo”, F.E.B.

(Revista Literária Espírita DELFOS Março/Abril de 2001)