quinta-feira, 7 de agosto de 2014



Sobre bodes e cabras

Antigo adágio popular assevera que: “prendo minhas cabras, porque os bodes estão soltos”, referindo-se à necessidade de supervisão da conduta afetiva das jovens do gênero feminino, a despeito da liberdade inerente atribuída ao gênero masculino. Como todo ditado, revela uma sabedoria do senso comum, presente na cultura das comunidades e no cotidiano das ações.
Quando vejo jovens moças acompanhando os pais e esses se orgulhando de dizer que a menina, quase na maioridade, ainda não namorou, estampando na face a tranquilidade da “zona de conforto”, pelo fato de estar protelando problemas e desafios dessa experiência, me preocupo muito. Causa espanto e apreensão essa negação da vivência afetiva, entendida como uma coisa positiva, como se o relacionamento afetivo fosse uma coisa sempre nefasta, que deve ser adiada o máximo possível.
Essa visão dos pais, de que a menina está bem por não ter interesse em relações afetivas, pode trazer prejuízos sérios à formação de sua personalidade, decorrentes da fuga dos conflitos e das experiências naturais da adolescência, por vezes encontrando até na religião um refúgio, como no caso do voto de clausura[1]. Preocupa-me muito mais a solidão juvenil.
O isolamento juvenil da vida amorosa diminui aparentemente os riscos e as incertezas da vida, pode prometer curar chagas de dores mal resolvidas e ainda, adiar a luta contra a timidez. Entretanto, ao mesmo tempo, nega a vivência saudável e produtiva de uma relação afetiva, onde se experimenta a dor da saudade, a força da paixão e a confusão do ciúme, tendo a adolescência também esse caráter de “escola dos sentimentos”, preparando para a vida.
A ausência de relacionamentos pode criar jovens amedrontadas, inseguras e frágeis para a vida que se segue, onde se incluirá a inevitável vivência de relacionamentos mais sérios e provavelmente o casamento. Não ver óbices e até exaltar a jovem de uma certa idade que não vivencia o namoro, por mais cômodo que seja para os pais, pode mascarar as frustrações de uma mente reprimida, que sofrerá mais à frente, quando a vida a empurrar do galho, tendo que, então, voar sozinha.
Da mesma forma, essa repressão polarizada no polo feminino pode romper o diálogo, criando um reino de mentira, de pessoas de duas caras, apresentando a família uma faceta e ao mundo masculino outra. O diálogo com a família permite repartir dúvidas e fortalecer a visão da jovem, às vezes ingênua diante das armadilhas da juventude, na divisão de impressões diante dos “cantos de sereia” típicos à idade.
O dito popular citado reforça essa normalidade da pseudopreservação feminina, que pode representar uma virtude aparente, ocultando um sufocamento do convívio social, privando-a de uma das coisas belas da vida, que é namorar. Essa visão sexista traz embutida uma percepção negativa da afetividade, da relação entre as pessoas, do amor romântico, proscrevendo estas potencialidades naturais do ser humano, sagradas e benditas, como já nos asseverava Chico Xavier no programa “pinga fogo” (1971), revelando que o problema não está na potencialidade e sim na imperfeição humana.
 O complexo, o desafio posto, é encontrar o ponto de equilíbrio entre o zelo pela criação da jovem e o medo da vida, associado às questões mal trabalhadas nos corações dos próprios pais. A juventude é um momento de cuidado, crítico para pais e jovens, em que todo o processo de educação, associado à bagagem do Espírito, se vê confrontado com o mundo, na formação da personalidade.
Por isso, adiar conflitos não conduz à solução dos mesmos, cabendo a orientação e o diálogo, como remédios em doses homeopáticas diante das dificuldades, inexoráveis, na existência do Espírito encarnado.
E para os jovens leitores e leitoras, bem como seus pais, concluo a reflexão com um trecho da poesia “Ter ou Não Ter Namorado? Eis a Questão!!!”, de Carlos Drummond de Andrade:

"Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrimas, nuvem, quindim, brisa e filosofia. Paquera, gabiru, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão, é fácil. Mas namorado mesmo, é muito difícil. (...)”.

MARCUS VINICIUS DE AZEVEDO BRAGA
acervobraga@gmail.com
Brasília, DF (Brasil)
  

terça-feira, 29 de julho de 2014

                                        ONDE ESTA A FELICIDADE?


"Não digo isto como por necessidade, porque já aprendi a contentar-me com o que tenho." (Paulo, Filipenses 4:11.)

Qualquer criatura vivenciando plena lucidez e total controle de raciocínio, por certo,  caminhará com avidez à procura da felicidade.

Terá consciência também, pelo estágio evolutivo em que vive, que no atual momento  poderá apenas obter uma felicidade relativa ou situações felizes, mas nunca a felicidade absoluta.

E essa felicidade relativa tem a dimensão e o peso dos nossos sonhos.

 Uns a encontram na aquisição de um carro de última geração, outros deparam com ela ao apenas possuir um carro. Existem os que a procuram na casa moderna e confortável, enquanto outros buscam por ela conseguindo uma casa.

Para o faminto a felicidade é poder encontrar um prato de comida capaz de sanar sua necessidade de alimentação. 

Para o desempregado a felicidade poderá chegar com a obtenção de um posto de trabalho que lhe garanta o sustento e a dignidade. 

Para o doente, encontrar novamente a saúde será, obviamente, um momento de felicidade.

Paulo de Tarso, em expressiva carta aos Filipenses asseverou que aprendeu a contentar-se com o que tinha, numa inequívoca demonstração de compreensão e resignação diante da vida, não se perturbando e nem estragando o dia ante pequenas contrariedades, tão próprias em nosso quotidiano.

Em realidade, quem não pode ter o que  quer, que queira o que pode, pois em inúmeras situações não conseguimos obter o objeto dos nossos desejos ou a  concretização dos sonhos que acalentamos; assim, imperioso se torna que saibamos estar contentes com aquilo que é possível.

 Certamente, nessa postura de equilíbrio e tirocínio, nos depararemos com a felicidade possível.

Certa feita uma senhora de boa posição econômica e social, passando pela rua, notou um senhor já de idade avançada, mal vestido e com semblante cansado, puxando um carrinho de tamanho razoável, repleto de material reciclável.

Condoída, imaginou o sofrimento e a luta daquele homem, tendo que fazer o trabalho de um animal irracional, ao puxar o carrinho.

Aproximando-se dele, exclamou:

– O senhor deve sofrer muito, se afligir demais, pois tem que se humilhar e fazer o trabalho de um animal, ao transportar essa carga.

– Não, minha senhora, eu sou feliz, pois mesmo com a minha idade ainda tenho forças e disposição para arrastar este carrinho cheio de material reciclável, que venderei logo adiante e, com os recursos obtidos, manterei meu sustento e dos netinhos que cuido. 

Ainda, passeio pelas ruas, vejo a movimentação de carros e gente e, vez por outra, ainda tenho o prazer de encontrar pessoas gentis como a senhora, que se preocupa com o próximo.

Sem dúvida, para o catador de reciclável a felicidade estava em poder realizar o seu trabalho.

Na verdade, a felicidade que podemos obter, por agora, não se trata de uma conquista externa, mas sim de uma postura interior. 

Muitas criaturas infelizes estão guerreando sozinhas enquanto outras felizes estão bem, mesmo em meio à guerra que gira ao seu redor.

Quando aprendermos a nos contentarmos com o que temos, estaremos de posse da felicidade que se pode ter aqui na Terra, pois a palavra divina há muito já nos informou  “que a verdadeira felicidade não é deste mundo”.

Onde procuramos a nossa felicidade? 

Pensemos nisso.


WALDENIR APARECIDO CUIN

sexta-feira, 25 de julho de 2014


                                         CAIR EM SÍ 

Inegavelmente, as parábolas de Jesus são um manancial de aprendizado e beleza, porquanto são narrativas simples, mas de conteúdos espiritual e moral inigualáveis, sendo que permitem ao leitor ou ao ouvinte a identificação espontânea com o sentido ético da lição.

Jesus raramente apontava os erros individuais, pois sabe que o ego possui mecanismos automáticos de defesa, dentre eles, a negação, de tal sorte que, com as parábolas, facultava à criatura humana, de acordo com seu nível de maturidade, o reconhecimento e a análise de seus desvios morais e equívocos existenciais.

Dentre as parábolas narradas no evangelho, destaco a do filho pródigo, porque representa a síntese da evolução espiritual, permitindo-nos uma profunda reflexão a respeito de como anda a nossa atual existência física.

A benfeitora Joanna de Ângelis, na obra “Em Busca da Verdade”, pela lavra mediúnica do confrade Divaldo Pereira Franco, escreve sobre a referida parábola, dando-nos diversos enfoques sobre a conduta de cada personagem, tornando a parábola ainda mais rica e bela de ensinamentos.

Fica registrada a sugestão para a leitura da obra mencionada.
A parábola expõe o momento em que o filho pródigo, imaturo e impulsivo, opta por sair da casa do genitor para viajar a um país longínquo, onde gasta sua parte da herança com leviandades e prazeres materiais.

 Após consumir-se nas paixões e gastar todo seu recurso econômico, vê-se diante de um período de fome que se instalara naquela região. Privado de tudo e passando necessidades, começa a trabalhar com porcos, vindo a disputar a comida com eles.

Porém, chega o momento em que o filho pródigo cai em si e retorna à casa do pai, onde é acolhido com imensa ternura e amor. 

 Essa parábola explica claramente o processo do deotropismo, isto é, fomos criados por Deus, portanto, saímos “das suas mãos”, mas, por imaturidade e ignorância, perdemo-nos na estrada da evolução e afastamo-nos dele, até o momento em que, extenuados pelo sofrimento e famintos de amor e conhecimento, caímos em nós e optamos por voltar à casa do Pai Celestial, que, generoso e confiante, sempre nos aguardava.

Cair em nós significa o exato momento em que ocorre o despertar da consciência.

A consciência desperta quando identificamos que somos Espíritos imortais a caminho da plenitude e que a vida no corpo tem um sentido ético, devendo abranger o crescimento intelecto-moral.

Obviamente que é o primeiro passo na direção de regresso a Deus, pois outros desafios evolutivos surgirão, tais como, libertar-se dos conflitos cultivados, harmonizar o eixo ego-self, eliminar os defeitos morais e converter o despertar da consciência em atitudes renovadas sob a égide do amor.

No capítulo quarto da citada obra, Joanna de Ângelis compara o despertar da consciência com o mito da expulsão do paraíso.

Enquanto vivemos, simbolicamente, no jardim do Éden, o ego (carga de egoísmo presente no inconsciente, fruto da evolução nos reinos inferiores da criação) toma todo o espaço do Self (ser espiritual que contém o germe divino para a plenitude), gerando uma vida materialista, de acomodação e deleite.

 Era a conduta do filho pródigo, cuja consciência ainda estava adormecida.

Notemos que Adão e Eva não trabalhavam, porque o necessário para as suas sobrevivências estava à disposição no Éden.

Todavia, após comerem o fruto da árvore proibida (mito), foram expulsos do paraíso, e Deus condenou Adão ao trabalho.

A partir dessa ocorrência, Adão passa a descobrir o valor do trabalho e do esforço, na medida em que tudo o que necessita passa a ser fruto do merecimento, portanto, há o despertar da consciência.

Assim ocorre conosco. Quando os ensinamentos de Jesus preenchem os vazios da alma, passamos a trabalhar em favor do nosso crescimento espiritual, na busca dos valores imperecíveis que dignificam a nossa vida. 

Na simbologia de Joanna de Ângelis, passamos a ser um novo Adão, isto é, um homem novo, com ideais bem definidos, procurando mais servir do que ser servido.
Caímos em nós e redefinimos o rumo de nossa vida como ser imortal destinado à plenitude, porque começamos a regressar à Casa do Pai, nesse processo de integração com o Arquétipo Primordial, razão pela qual Jesus disse que Ele e o Pai eram um só (perfeita integração).

Paulo de Tarso, ao cair em si, verbalizou “já não sou eu que vivo, mas é o Cristo que vive em mim”, porque se integrou com o pensamento de Jesus e, por conseqüência, de Deus.

Anote-se que ao cair em si é natural que surjam as culpas, que, do ponto de vista psicológico, é produtiva desde que bem direcionada.
Joanna de Ângelis fala do “Eu-Angélico” (recursos divinos em nossa intimidade), que estimula a culpa, pois a presença desta é sinal de instalação do despertar da consciência, que nos aponta o certo e o errado, o bem e o mal proceder.

Diante da presença da culpa, cabe-nos não repetir o erro e reparar o mal causado, se possível.

Caso não seja, basta fazer o bem em favor de alguém ou da vida, porquanto a ação fraterna é ponto positivo na contabilidade divina a anular ou amenizar o mal causado (o amor cobre a multidão de pecados – Simão Pedro).

À medida que vamos evoluindo, aproximamo-nos cada vez mais de Deus, tornamo-nos mais livres e felizes, uma vez que começamos a superar os impulsos inferiores e as tendências agressivas, bem como não permitiremos que o mal dos maus nos atinjam. 

Isto é ser livre.

Não permitir que os outros afetem a serenidade interior conquistada a partir do cair em si.

O Espírito de Joanna de Ângelis ainda nos apresenta Jesus como sendo o filho pródigo do amor, haja vista que se afastou das regiões celestes (Casa do Pai) e foi para o país longínquo da matéria densa, vivendo com a ralé (pigmeus morais – simbologia do porco na parábola). Ensinou a criatura humana a dissipar a sombra individual, mas foi incompreendido e crucificado, voltando, rico de bênçãos, à Casa do Pai.

Todavia, seus ensinos permanecem como lições vivas de esperança e júbilo, tendo suas parábolas contribuídas para esse cenário, auxiliando-nos no processo inevitável do cair em si, com o escopo de renovação moral.

Para os espíritas, cujo despertar da consciência foi mais intenso em virtude dos conhecimentos amealhados a partir do Espiritismo, percebemos que o cair em si se dará diante dos mínimos erros, porque a consciência, de imediato, apontará que não procedemos conforme deveríamos.
O Espírito de Bezerra de Menezes fala-nos sobre o ousar no bem, dar um passo além, de forma que o verdadeiro cristão, por ter caído em si, sabe que pode fazer mais em favor do amor e da paz, sobretudo, dulcificando a própria conduta.

Frise-se que o processo do cair em si não é um episódio único, mas inicia-se com o despertar da consciência, cuja extensão vai se ampliando na exata proporção do nosso esforço em favor da busca do conhecimento e da vivência do amor.

 “Conhecereis a verdade e ela vos libertará” dos equívocos, da ignorância. Naturalmente, chegará um momento da evolução em que não mais precisaremos cair em nós, pois a consciência e a conduta estarão perfeitamente afinadas com as diretrizes do evangelho.

O tema e a parábola em questão são profundos, de forma que caberiam outros apontamentos, mas fica o convite para o auto encontro, cientes de que o Pai Generoso nos aguarda sempre, amoroso e gentil, cabendo a cada um de nós apressar esse retorno, sobretudo pelas escolhas acertadas e por uma vida pautada pela pureza de coração.

“Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”.

Alessandro Viana Vieira de Paula -  O Consolador



segunda-feira, 21 de julho de 2014


 
 E os atos inconsequentes

O capítulo X – Livro Terceiro: 

As Leis Morais, de O Livro dos Espíritos, esclarece-nos que o homem não pode gozar de liberdade absoluta, pois todos necessitam uns dos outros, tanto os pequenos, como os grandes.

Explicam os Espíritos que a condição em que o homem pode gozar de liberdade absoluta seria a de um eremita no deserto, mas desde que haja dois homens juntos, há direitos a respeitar.

Compreendemos, então, que na vida comunitária a liberdade é relativa, pois deve ser conciliada com a liberdade dos cidadãos, considerando que o limite do nosso direito é o direito do próximo.

O desrespeito a esse princípio fundamental gera a desordem e a intranquilidade, resultando nos atos inconsequentes que presenciamos no dia a dia, em que o cidadão mais parece uma fera incomodada, que enxerga o semelhante como um inimigo comum.
Na obra Código de Direito Natural Espírita – Editora Mundo 

Jurídico, o autor, José Fleury Queiróz, cita exemplos de alguns atos que não se deve cometer:

Dar livre expressão a impulsos como o de transitar de automóvel pelas ruas à velocidade de cem quilômetros horários;

Postar-se nu, em logradouros públicos, ou ali despejar lixo ou satisfazer determinadas necessidades fisiológicas;

Invadir uma  propriedade alheia ou recintos de diversão como cinema ou teatro; 

Permanecer na inércia, se fisicamente aptos, pois os bens comunitários como alimentos e roupas, que pertencem àquele que os produzem, temos que adquirir pela força do nosso trabalho, a  fim de que, em regime de permuta, utilizando um instrumento intermediário, o dinheiro, possamos atender às nossas necessidades.

A perfeita compreensão desses deveres não é virtude de muitos. 

Daí é que temos os mecanismos destinados a conter a indisciplina.

Existem órgãos policiais para fiscalizar sua observância e os infratores estão sujeitos às sanções legais.

José Fleury Queiróz observa que quanto maior a expansão demográfica e a concentração urbana, mais difícil o controle. Há infrações que nem mesmo podem ser enquadradas como delitos passíveis de punição, ou nem sempre podem ser detectadas e corrigidas pelas autoridades.

Exemplos:

O industrial cuja fábrica despeja poluentes na atmosfera e nos rios;

O jovem que transita com o escapamento de sua motocicleta aberto, gerando barulho ensurdecedor;

O alcoólatra que  se comporta de forma inconveniente na rua;

O fumante que expira baforadas de nicotina em recinto fechado, obrigando os circunstantes a fumarem com ele;

O pichador de paredes que polui moral e culturalmente a cidade, desenhando frases de mau gosto e obscenidades;

O maledicente que se compraz em denegrir reputações;

Os que revelam total desrespeito pelos patrimônios individuais e coletivos da comunidade e pelo inalienável direito comum à tranquilidade.

É importante conscientizarmo-nos de que nenhum prejuízo causado ao semelhante ficará impune, perante a justiça Divina.

Portanto, há limites em nossa liberdade de ação e o mínimo que nos compete é que não prejudiquemos o próximo, tanto quanto queremos que ele não nos prejudique.


 

ALTAMIRANDO CARNEIRO - O Consolador