segunda-feira, 9 de junho de 2014


A palmadinha, ontem e hoje

Eu devia ter mais ou menos uns sete anos, criança de tudo. 

Falador, turbulento, não parava quieto por cinco minutos. 

Hoje, as crianças não param quietas por cinco segundos!
Gozava as férias em casa de uma avó. 

Num dia x, alguns tios se reuniram com amigos. 

Falavam de música, e havia alguns instrumentos por perto. 

Eu, que já mexera em vários deles, com meus dedinhos insolentes, e fora repreendido em todas as ocasiões, agarrei um pandeiro e, idiotizado, sentei-lhe a mão descontrolada, como se estivesse tentando “tocar” algo.

Foi a conta. Um dos meus tios tomou o instrumento da minha mão e, com a sua, deu-me uma palmada na região convexa chamada glútea. Confesso, com toda a honestidade, não doeu nada. 

Mas, só então, com aquele impacto, percebi (me toquei) que estava sendo inconveniente, mal-educado, e confesso, também com toda a sinceridade, senti vergonha, apesar da pouca idade, por estar atrapalhando a atividade dos meus tios, que já faziam bastante em me aceitar numa reunião de adultos.

Passados cinco minutos, eu, emburrado num canto, recebi do meu tio “agressor” um sorriso brincalhão e um abraço conciliador.

Aquela palmada, naquele instante, sem violência alguma, sem agressão (não me senti violentado, nem agredido), resolveu prontamente uma situação que estava saindo de controle. 

E, de minha parte, fiquei com a lição compulsória que me cabia e que lembro, nitidamente, até hoje, passados cinquenta e dois anos. 

E asseguro que se passou exatamente como conto agora.

Esta situação foi bem diferente de outra que vivi, também muito novo, talvez com os mesmos sete anos de idade. 

É preciso dizer que dava muito trabalho aos meus pais, pela minha rebeldia.

Após um dia todo causando perturbação, fui alvo da indignação de minha mãe que, no limite, descarregou todo o seu cansaço sobre a minha cabeça, em forma de croques continuados e doloridíssimos.

 Em seguida, botou-me nu, exposto num canto da varanda, onde cheguei a ser visto e ridicularizado por um vizinho.

Creio que dá para perceber a diferença entre um episódio e outro.

O mundo não está como está, hoje, por causa da palmada, senão educativa, pelo menos corretiva (do primeiro episódio); 

mas as relações humanas podem sofrer influência danosa por causa da agressividade e tortura moral do segundo.

Diante disso, fica evidente que a violência (do segundo episódio) é contrária  não só à atitude cristã, como também aos mais básicos princípios da civilidade, que estamos buscando a duras penas. 

Se pretendemos ajudar na implantação da vida melhor na Terra, baseados nas orientações morais de Jesus, uma das coisas a fazer, e fundamental, é educar os Espíritos que recebemos como filhos, de modo a aproximá-los de Deus (ESE, XIV, 9).

Enquanto buscamos a melhor maneira de como bem educar nossas crianças, principalmente na primeira infância, onde as más inclinações brotam nelas, reveladas junto com a inteligência que admiramos tanto, deixemos a palmadinha – já que os tempos são outros –, para aqueles que quiserem usá-la, assumindo com isso, legalmente (1), a responsabilidade por seus atos. 

Moralmente, Deus saberá julgá-los, pela intenção, com total justiça.

Quanto aos croques e torturas morais, eliminemo-los quanto antes. 

E já será um grande avanço.
 
(1) Foi aprovado na Câmara dos Deputados e seguiu para o Senado projeto de lei que penaliza pais e educadores – inclusive com a possibilidade de cadeia (?) – que forem surpreendidos ou denunciados, infligindo quaisquer castigos físicos aos filhos. 

A lei ficou conhecida como “lei da palmada”.

Claudio Bueno da Silva - O consolador