CAIR EM SÍ
Inegavelmente, as parábolas de Jesus são um manancial de aprendizado e beleza,
porquanto são narrativas simples, mas de conteúdos espiritual e moral
inigualáveis, sendo que permitem ao leitor ou ao ouvinte a identificação
espontânea com o sentido ético da lição.
Jesus raramente
apontava os erros individuais, pois sabe que o ego possui mecanismos
automáticos de defesa, dentre eles, a negação, de tal sorte que, com as
parábolas, facultava à criatura humana, de acordo com seu nível de maturidade,
o reconhecimento e a análise de seus desvios morais e equívocos existenciais.
Dentre as parábolas
narradas no evangelho, destaco a do filho pródigo, porque representa a síntese
da evolução espiritual, permitindo-nos uma profunda reflexão a respeito de como
anda a nossa atual existência física.
A benfeitora Joanna
de Ângelis, na obra “Em Busca da Verdade”, pela lavra mediúnica do confrade
Divaldo Pereira Franco, escreve sobre a referida parábola, dando-nos diversos
enfoques sobre a conduta de cada personagem, tornando a parábola ainda mais
rica e bela de ensinamentos.
Fica registrada a
sugestão para a leitura da obra mencionada.
A parábola expõe o
momento em que o filho pródigo, imaturo e impulsivo, opta por sair da casa do
genitor para viajar a um país longínquo, onde gasta sua parte da herança com
leviandades e prazeres materiais.
Após consumir-se nas paixões e gastar todo seu
recurso econômico, vê-se diante de um período de fome que se instalara naquela
região. Privado de tudo e passando necessidades, começa a trabalhar com porcos,
vindo a disputar a comida com eles.
Porém, chega o
momento em que o filho pródigo cai em si e retorna à casa do pai, onde é acolhido com imensa
ternura e amor.
Essa parábola
explica claramente o processo do deotropismo, isto é, fomos criados por Deus,
portanto, saímos “das suas mãos”, mas, por imaturidade e ignorância,
perdemo-nos na estrada da evolução e afastamo-nos dele, até o momento em que,
extenuados pelo sofrimento e famintos de amor e conhecimento, caímos em nós e
optamos por voltar à casa do Pai Celestial, que, generoso e confiante, sempre
nos aguardava.
Cair em nós
significa o exato momento em que ocorre o despertar da consciência.
A consciência
desperta quando identificamos que somos Espíritos imortais a caminho da
plenitude e que a vida no corpo tem um sentido ético, devendo abranger o
crescimento intelecto-moral.
Obviamente que é o
primeiro passo na direção de regresso a Deus, pois outros desafios evolutivos
surgirão, tais como, libertar-se dos conflitos cultivados, harmonizar o eixo
ego-self, eliminar os defeitos morais e converter o despertar da consciência em
atitudes renovadas sob a égide do amor.
No capítulo quarto
da citada obra, Joanna de Ângelis compara o despertar da consciência com o mito
da expulsão do paraíso.
Enquanto vivemos,
simbolicamente, no jardim do Éden, o ego (carga de egoísmo presente no
inconsciente, fruto da evolução nos reinos inferiores da criação) toma todo o
espaço do Self (ser espiritual que contém o germe divino para a plenitude),
gerando uma vida materialista, de acomodação e deleite.
Era a conduta do filho
pródigo, cuja consciência ainda estava adormecida.
Notemos que Adão e
Eva não trabalhavam, porque o necessário para as suas sobrevivências estava à
disposição no Éden.
Todavia, após comerem o fruto da árvore proibida (mito),
foram expulsos do paraíso, e Deus condenou Adão ao trabalho.
A partir dessa
ocorrência, Adão passa a descobrir o valor do trabalho e do esforço, na medida
em que tudo o que necessita passa a ser fruto do merecimento, portanto, há o
despertar da consciência.
Assim ocorre
conosco. Quando os ensinamentos de Jesus preenchem os vazios da alma, passamos
a trabalhar em favor do nosso crescimento espiritual, na busca dos valores
imperecíveis que dignificam a nossa vida.
Na simbologia de Joanna de Ângelis,
passamos a ser um novo Adão, isto é, um homem novo, com ideais bem definidos,
procurando mais servir do que ser servido.
Caímos em nós e
redefinimos o rumo de nossa vida como ser imortal destinado à plenitude, porque
começamos a regressar à Casa do Pai, nesse processo de integração com o
Arquétipo Primordial, razão pela qual Jesus disse que Ele e o Pai eram um só
(perfeita integração).
Paulo de Tarso, ao
cair em si, verbalizou “já não sou eu que vivo, mas é o Cristo que vive em mim”,
porque se integrou com o pensamento de Jesus e, por conseqüência, de Deus.
Anote-se que ao cair
em si é natural que surjam as culpas, que, do ponto de vista psicológico, é
produtiva desde que bem direcionada.
Joanna de Ângelis
fala do “Eu-Angélico” (recursos divinos em nossa intimidade), que estimula a
culpa, pois a presença desta é sinal de instalação do despertar da consciência,
que nos aponta o certo e o errado, o bem e o mal proceder.
Diante da presença
da culpa, cabe-nos não repetir o erro e reparar o mal causado, se possível.
Caso não seja, basta
fazer o bem em favor de alguém ou da vida, porquanto a ação fraterna é ponto
positivo na contabilidade divina a anular ou amenizar o mal causado (o amor
cobre a multidão de pecados – Simão Pedro).
À medida que vamos
evoluindo, aproximamo-nos cada vez mais de Deus, tornamo-nos mais livres e
felizes, uma vez que começamos a superar os impulsos inferiores e as tendências
agressivas, bem como não permitiremos que o mal dos maus nos atinjam.
Isto é
ser livre.
Não permitir que os
outros afetem a serenidade interior conquistada a partir do cair em si.
O Espírito de Joanna
de Ângelis ainda nos apresenta Jesus como sendo o filho pródigo do amor, haja
vista que se afastou das regiões celestes (Casa do Pai) e foi para o país
longínquo da matéria densa, vivendo com a ralé (pigmeus morais – simbologia do
porco na parábola). Ensinou a criatura humana a dissipar a sombra individual,
mas foi incompreendido e crucificado, voltando, rico de bênçãos, à Casa do Pai.
Todavia, seus
ensinos permanecem como lições vivas de esperança e júbilo, tendo suas
parábolas contribuídas para esse cenário, auxiliando-nos no processo inevitável
do cair em si, com o escopo de renovação moral.
Para os espíritas,
cujo despertar da consciência foi mais intenso em virtude dos conhecimentos
amealhados a partir do Espiritismo, percebemos que o cair em si se dará diante
dos mínimos erros, porque a consciência, de imediato, apontará que não
procedemos conforme deveríamos.
O Espírito de
Bezerra de Menezes fala-nos sobre o ousar no bem, dar um passo além, de forma
que o verdadeiro cristão, por ter caído em si, sabe que pode fazer mais em
favor do amor e da paz, sobretudo, dulcificando a própria conduta.
Frise-se que o
processo do cair em si não é um episódio único, mas inicia-se com o despertar
da consciência, cuja extensão vai se ampliando na exata proporção do nosso
esforço em favor da busca do conhecimento e da vivência do amor.
“Conhecereis a verdade e ela vos libertará”
dos equívocos, da ignorância. Naturalmente, chegará um momento da evolução em
que não mais precisaremos cair em nós, pois a consciência e a conduta estarão
perfeitamente afinadas com as diretrizes do evangelho.
O tema e a parábola
em questão são profundos, de forma que caberiam outros apontamentos, mas fica o
convite para o auto encontro, cientes de que o Pai Generoso nos aguarda sempre,
amoroso e gentil, cabendo a cada um de nós apressar esse retorno, sobretudo
pelas escolhas acertadas e por uma vida pautada pela pureza de coração.
“Bem-aventurados os
puros de coração, porque verão a Deus”.
Alessandro
Viana Vieira de Paula - O Consolador