A questão das
esmolas
Sempre que caminhamos pelas ruas em busca dos nossos afazeres, um quadro se apresenta:
a mendicância. São irmãos que ali se encontram em grande
desterro espiritual suplicando caridade.
É comum levarmos as mãos aos bolsos ou bolsas, tirarmos uma
cédula ou moeda de pequeno valor e depositarmos naquelas mãos um mínimo
que, quem sabe, pode ajudá-los em mais um momento de suas existências.
Assim, os dias se sucedem e, comumente, aqueles irmãos e
irmãs são encontrados nas mesmas ruas, esquinas, praças...
Muitas vezes crianças maltrapilhas, mal cuidadas e expostas a
todos os tipos de perigos.
E isto vale reflexões.
Inicialmente devemos olhá-los como se olha para irmãos em
processo evolutivo, temporariamente vivendo aquele tipo de experiência.
Certa feita um amigo me disse que decidiu sair à noite e
ofertar aos moradores de rua fatias de pães e bolos acompanhados de chocolate
ou suco.
Numa das abordagens a um senhor que tentava conciliar o sono,
foi recebido de forma calorosa. Aquele homem somente aceitaria a ajuda se antes
dessem as mãos e fizessem juntos uma prece de agradecimento.
Foi um momento sublime, disse meu amigo.
A história daquele senhor o emocionou.
Foi abandonado pelos filhos, despojado dos seus bens e tido
como pessoa não grata ao convívio familiar no qual vivia.
Evidente que não cabe aqui um estudo sobre aquele caso em
particular e sim uma olhada mais demorada em todos os casos que existem em cada
pessoa que encontramos de mãos estendidas quando passamos pelas vias urbanas.
Contudo, podemos ainda pensar nas opções que aqueles irmãos
tiveram ou sustentam.
E perguntamos:
não seria melhor que
eles procurassem ocupações que garantissem suas sobrevivências, melhorando seus
status sociais?
Esta é a questão mais emblemática que se apresenta para os
sociólogos e pessoas ligadas a este tipo de assunto e assistência.
Comumente as prefeituras buscam criar órgãos de apoio e
encaminhamento aos moradores de rua.
O problema é que nem sempre eles aceitam e costumam fugir dos
abrigos alegando não suportarem as regras que ali são expostas.
Os agentes municipais encarregados deste trabalho sentem-se
impotentes e, intimamente, querem uma solução, pois veem naqueles irmãos uma
carência muito mais afetiva que mesmo física.
E eles são Espíritos reencarnados com todo o potencial de
chegarem à perfeição como asseverou Jesus. São luzes que necessitam brilhar
para indicar-lhes caminhos novos.
Então ficamos sem
saber se devemos ou não dar-lhes esmolas, migalhas que pouco vão ajudar ou até
mesmo sustentar suas vivências naquele estado de coisa.
O que fazer então?
Allan Kardec, na questão 888 de “O Livro dos Espíritos”
pergunta: “O que pensar da esmola”? A resposta é “O homem reduzido a pedir
esmolas degrada-se moral e fisicamente:ele se embrutece.
Numa sociedade baseada na lei de Deus e na
justiça, deve-se prover a vida do fraco, sem que ele seja humilhado.
A
sociedade deve garantir a existência dos que não podem trabalhar, sem deixar
sua vida à mercê da sorte e da boa vontade de alguns”.
Concluímos assim que é dever da sociedade ajudar àquelas
pessoas para que suas vidas se tornem menos penosas.
Ora, segundo Joanna de
Ângelis, faz tempo que estamos no degrau humano.
Aproximadamente quinhentos mil anos. Então aquelas pessoas
que caminham à margem da sociedade também estão inclusas nesse tempo e cheias
de arquivos mnemônicos adquiridos através de experiências transatas e nas
quais, com certeza, não foram mendigos.
Como também não são mendigos, estão
mendigos.
Esta forma de pensar já nos aproxima um pouco mais daquelas
almas, presentemente em desalinho.
Vi, certa vez, uma senhora com quatro filhos estender suas
mãos súplices a uma jovem de aproximados treze anos, que voltava da aula para
casa vestida regiamente, demonstrando não ter qualquer dificuldade financeira
em seu núcleo familiar.
Naquele momento,
contudo, a jovenzinha não possuía nenhuma moeda. Havia gasto na escola com a
merenda.
Então aquela menina de
olhos de luz, parou seu caminhar, olhou para aquela senhora e as crianças e deu
um sorriso largo, pleno, enriquecedor.
Aquela pobre mãe entendeu o valor daquele sorriso e também
sorriu e ambas pintaram uma aquarela digna das galerias dos imortais.
Concluí
naquele instante que a moeda ali era o amor, a complacência, o querer
bem.
Não eram mendigos ou não mendigos do corpo, eram almas que,
quem sabe, por um instante se reencontraram e se reconheceram.
Na questão 888a, Allan Kardec pergunta a São Vicente de Paulo
se ele condenava a esmola.
A resposta daquele asceta foi que: “não é a esmola que é
condenável, mas a maneira como quase sempre é praticada.
O homem de bem, que compreende a caridade segundo Jesus, vai
ao encontro do infeliz, sem esperar que ele lhe estenda as mãos”.
Conheci uma senhora que toda manhã ia ao encontro dos
infelizes que dormiam na praça e ofertava-lhes pão com manteiga e café com
leite.
Aquelas criaturas sorriam agradecidas, muitas vezes sorrisos
distorcidos por peles ressecadas, olhares turvos, dentes faltantes ou
amarelecidos por falta de cuidados. Contudo, sorriam e falavam uma daquelas
palavrinhas mágicas que ensinamos nossas crianças: muito obrigado!
“Portanto, sede caridosos, mas não somente praticando a
caridade que vos leva a tirar do bolso a moedinha que lançais friamente a quem
ousa pedir – ide ao encontro das misérias ocultas.
Sede indulgentes com os defeitos dos vossos semelhantes. Em
vez de menosprezar a ignorância e o vício, instruí e moralizai.
Sede gentis e benevolentes para todos os que vos são
inferiores, agindo da mesma forma em relação aos seres mais ínfimos da Criação
– então tereis obedecido à lei de Deus”.
Este é o fecho da resposta de São Vicente de Paulo a Kardec
na citada questão 888a de “O Livro dos Espíritos”.
Vivemos em sociedade. É necessário que seja assim.
Que sejamos, pois, solidários uns com os outros.
Há mendigos
do corpo e do espírito, porém, são eles irmãos a caminho conosco para a grande
chegada, antecedida por uma estrada longa, pontilhada de aprendizados e
propostas às práticas das virtudes; essenciais.
Guaraci Lima Silveira - O consolador