A MORTE E SEUS MISTÉRIOS
A desencarnação não é, segundo o Espiritismo, igual para todos, mas depende do estado moral da pessoa, quando encarnada | |||||||||||||
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terça-feira, 30 de outubro de 2012
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
Os animais têm alma e
são também
seres em evolução
seres em evolução
Todos nós que convivemos com animais sempre nos sensibilizamos
com suas demonstrações de companheirismo e afetividade.
É comovedor o testemunho
do Padre Germano ("Memórias do Padre Germano", de Amália Domingos Soler, FEB) a
respeito de Sultão: "Pobre animal! Pesa-me dizê-lo, mas é a verdade:
encontrei num cão o que nunca pude encontrar num homem. Quanta lealdade,
cuidado, solicitude!".
Também nos surpreendemos com suas atitudes inteligentes. Em "A Gênese", cap. III, itens 11 a 13, de Kardec, lê-se: "... isso (a inteligência) é um atributo exclusivo da alma... O animal carniceiro é impelido pelo |
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instinto a nutrir-se de carne; porém, as
precauções... sua previsão... são atos de
inteligência".
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Hoje, a Etologia, ciência do comportamento, criada por Konrad
Lorenz, confirma plenamente esse enfoque kardequiano, demonstrando que os
animais são seres inteligentes. Aliás, com capacidade muito além da que
supúnhamos. Leia-se, a respeito, entre outros, "O Parente mais Próximo", de
Roger Fouts, biólogo americano que durante mais de 30 anos trabalha com
chimpanzés, ensinando-lhes a linguagem gestual dos surdos-mudos.
Voltemos a Kardec, "O Livro dos Espíritos", item 597: -
"Pois se os animais têm uma inteligência que lhes dá uma certa liberdade de
ação, há neles um princípio independente da matéria? Resposta:
Sim, e que sobrevive ao corpo".
Muitos são os relatos a esse respeito que
consegui inserir em meu livro A Questão Espiritual dos Animais, publicado
pela FE - Folha Espírita. Este me foi transmitido pessoalmente pelo querido
confrade Divaldo Pereira Franco: Divaldo chegou certa vez a Campo Grande, tendo sido recebido por D. Maria Edwiges, então
presidente da Federação Espírita do Mato Grosso. Ao entrar em sua residência,
pulou-lhe ao peito enorme cachorro. As pessoas que o acompanhavam, sem se
aperceberem do que realmente estava acontecendo, indagam-no sobre sua inesperada
reação. Divaldo responde: "Eu me assustei com o cachorro, mas está tudo bem!"
Ouve deles em seguida: "Que cachorro, Divaldo, aqui não tem
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cachorro nenhum!", ao que ele retruca:
"Tem, sim, esse pastor aí!" Percebe então que D. Maria Edwiges se
emociona ao comentar: "Divaldo, eu tive um pastor, mas ele morreu há
meses!"
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Outro caso que relato, encontra-se originalmente no livro
"Testemunhos de Chico Xavier", de Suely Caldas Schubert, FEB, onde se lê o
seguinte depoimento de Chico: "Em 1939, o meu irmão José deixou-me um desses
amigos fiéis (um cão).
Chamava-se Lorde e fez-se meu companheiro... Em 1945,
depois de longa enfermidade, veio a falecer. Mas, no último instante, vi o
Espírito de meu irmão aproximar-se e arrebatá-lo ao corpo inerte e, durante
alguns meses, quando o José, em Espírito, vinha ter comigo, era sempre
acompanhado por ele...
Motivada por tantas evidências, passei a buscar na literatura
espírita, particularmente nas obras de Kardec, como na ciência acadêmica,
informações que elucidassem tantas questões sobre a espiritualidade dos animais,
e as "coincidências" que encontrei são surpreendentes! Por exemplo, hoje a
ciência admite ser o sistema nervoso, em especial o cérebro, o "órgão" (do grego
organon = meio, recurso, instrumento) de expressão da mente.
Pois bem,
André Luiz, em "No Mundo Maior", cap. 4, informa que: "O cérebro é o órgão
sagrado de manifestação da mente, em trânsito da animalidade primitiva para a
espiritualidade humana".
Também é impressionante a correlação que se pode
fazer entre o "cérebro trino" de Mac Lean, autor clássico na ciência, com a
configuração de nossa casa mental e sua relação com diferentes partes do
cérebro, expressa por André Luiz no livro "No Mundo Maior", cap. 3 e 4.
Era a deixa que eu queria, pois como veterinária e espírita
acabei encontrando um leito para dar fluxo às muitas idéias que pululam na mente
de todos nós, sobre os animais.
Muitos dos temas são ainda tratados como
questão, isto é, como matéria em discussão, uma vez que existem muitas perguntas
sem resposta definitiva.
São eles: a filogenia do cérebro e da mente, o
significado do sofrimento nos animais, a presença de figuras animais no plano
espiritual (a questão da erraticidade, do desencarne e da reencarnação), a
existência dos "espíritos da natureza", a abordagem ética e doutrinária do comer
ou não comer carne e a validade do uso de animais na chamada zooterapia.
Defendo a tese de que os animais são seres em evolução, tanto
orgânica quanto espiritual.
São nossos companheiros de jornada, merecendo ser
respeitados e, sobretudo, amados. Como diz o mentor Alexandre, em "Missionários
da Luz", cap. 4, de André Luiz: "Abandonando as faixas de nosso primitivismo,
devemos acordar a própria consciência para a responsabilidade coletiva. A missão
do superior é a de amparar o inferior e educá-lo".
Que Jesus abençoe nossos esforços para
entender a beleza de toda a criação, na qual não devemos nos colocar como
destacados senhores, mas, sim, na condição de Espíritos ainda no aprendizado de
primárias lições!
ano 1 nº 9
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terça-feira, 23 de outubro de 2012
VOCÊ SABE QUEM É,
MAS SABE O QUE É?
A morte amedronta
tanto o ser humano, que este assume posturas as mais variadas, desde aquelas
infantis, em que nega toda a sua maturidade, até outras em que chega a negar a
sua condição de ser racional.
É profundamente estranho que essa criatura, que se
pavoneia de ser o rei da criação, se mostre tão dolorosamente despreparada
diante da única certeza comum a todos os seres humanos.
Ao interrogarmos uma pessoa onde quer ser enterrada quando morrer,
certamente ouviremos como resposta a designação de um local de sua preferência.
Ao ser interrogada sobre o destino da sua alma, certamente responderá que irá
para o céu.
Mas a fragilidade desse posicionamento é facilmente demonstrável
diante de um simples questionamento: "E se ela não for para o céu e sim para o
inferno, que isso importa a você, pois é ela quem vai e não você? Você não disse
que deseja ficar enterrado em tal lugar?"
Essas perguntas causam perplexidade e
levam muitas pessoas, pela primeira vez, a usarem seu raciocínio no exame do
assunto morte. Depois de algum tempo,
costumam aparecer saídas como esta, ditas até em tom vitorioso: "Não sou eu quem
vai ser enterrado em tal lugar; é o meu corpo!" Com essa afirmativa, ao invés de
resolver o problema, agrava-o ainda mais..
O ar de vitória desaparece logo, ao se lembrar à pessoa que ela usou
dois possessivos: meu corpo e minha alma. Ora, o possessivo, como bem
ensinam as gramáticas, é a palavra que indica posse. Se há posse, há possuidor.
Quem é o possuidor daquele corpo e daquela alma? Quem está habilitado a
apresentar-se como proprietário e, conseqüentemente, reclamar-lhes a posse?
É exatamente essa falta de racionalidade que leva o homem a fugir do
assunto, portando-se como a criança que, ao esconder o rosto atrás das mãos,
imagina ter resolvido o problema do seu esconderijo. Ou como o avestruz que,
segundo dizem, esconde a cabeça sob a areia, pensando assim fugir do
perigo.
A criatura humana recusa-se a pensar, porque pensar na morte dói.
Meditar, refletir sobre a questão, só pode revelar-lhe a sua fragilidade, o seu
despreparo diante do magno assunto.
E qual a saída para o impasse?
A única posição lógica é aquela de o
homem assumir a sua condição de Espírito imortal, detentor da posse de um corpo
físico, pelo qual ele se manifesta temporariamente, enquanto esse corpo tiver
vida. É o Espírito que pensa, que aprende, que odeia, que ama. O corpo é mero
instrumento de uso transitório. Pode-se até dizer que é descartável.
O Espírito,
não.
Ele é imortal, indestrutível.
É o arquivo vivo de todas as experiências
vividas durante a romagem terrena.
Com o fenômeno da morte, o Espírito se afasta do corpo que já não
mais lhe serve como instrumento, podendo dizer, na ocasião: "habitei esse corpo,
serviu-me ele de vestimenta durante muitos anos". O corpo jamais poderá dizer:
"Esse espírito que aí vai foi meu", simplesmente porque o corpo é matéria morta,
que começa a decompor-se tão logo ocorra a morte.
Ao conscientizar-se dessa realidade, o homem passa a ter uma
verdadeira consciência de imortalidade. Quanto mais medita sobre o assunto –
desde que desligado de explicações de determinados teólogos – tanto mais adquire
um estado de consciência a que se pode chamar "cidadania espiritual". Passa a
sentir-se imortal. A morte já não mais se constitui naquele desastre terrível a
bi- ou tripartir-lhe o ser: "Vou para debaixo da terra, minha alma vai para o
céu e eu para não sei onde."
Ao assumir a cidadania espiritual, seus horizontes se alargam. Já
não é apenas um homem, mas um Ser imortal, cujo destino não se prende apenas à
Terra, vez que se sente pertencente ao Universo, às "muitas moradas da casa do
Pai", conforme ensinamentos de Jesus.
Assim pensando, chegamos à conclusão de
que somos essencialmente espíritos, atualmente encarnados. Um dia deixaremos
nosso corpo terrestre, como Jesus deixou o seu, conservando apenas o corpo
celeste, imortal, conforme o Mestre, de forma genial ensinou e
exemplificou!
Fica, entretanto, para muitas pessoas, uma pergunta que
invariavelmente aparece quando são feitos estes comentários: Se o túmulo estava
vazio e o corpo com que Jesus se apresentava era espiritual, onde ficara seu
corpo físico? O Mestre, evidentemente, não podia esclarecer o assunto àqueles
com quem convivera, conforme se comprova em suas palavras, já citadas: “Ainda tenho muito a vos dizer, mas não o
podeis suportar agora.” (Jo, 16: 12).
Cumprindo a promessa de Jesus, o Consolador vem relembrar as suas
lições e explicar muitos fatos que foram registrados pelos Evangelistas, mas
que, à época, não foram compreendidos, como as súbitas aparições de Jesus no
cenáculo e na pesca, e o seu desaparecimento desconcertante diante dos
companheiros de caminhada a Emaús.
Tais fatos, tomados por miraculosos por
muitos teólogos, encontram no Espiritismo explicações claras e lógicas, não no
campo das especulações teológicas, mas dentro da objetividade da Ciência, nas
pesquisas do fenômeno de materialização – hoje chamado ectoplasmia pelos
parapsicólogos – levado a efeito por vários cientistas, entre os quais se
destaca a figura de Sir William Crookes o célebre físico inglês, que pôde provar
que o Espírito Katie King, com seu corpo espiritual materializado, limitava-se
dentro do plano material como se estivesse encarnado, tornando-se visível,
audível e tangível.(“Fatos Espíritas”, William Crookes; “História do
Espiritismo”, Arthur Conan Doyle).
Quanto ao desaparecimento do corpo físico de Jesus, pode-se ler
esclarecimento sobre a dissipação de fluidos remanescentes em cadáveres, no
livro “Obreiros da Vida Eterna”, de André Luiz (caps. 15 e 16).
Trata-se de
operação piedosa levada a efeito por benfeitores espirituais, que dissipam na
atmosfera os fluidos remanescentes no corpo, antes do sepultamento, afim de
resguardá-lo de profanação que poderia ser levada a efeito por Espíritos
inferiores.
Fazendo-se um paralelo, é lícito supor que o próprio Mestre se haja
encarregado de dissipar as energias remanescentes em seu corpo e, ao fazê-lo,
desmaterializou-o completamente.
É fácil entender que o corpo de Jesus não
poderia ficar no túmulo, pois quando se divulgasse a notícia que o Mestre
ressurgira da morte, ele seria fatalmente exposto pelos sacerdotes, a fim de
negar a ressurreição, que, para quase todos, era apenas física.
E não seria essa a resposta
à pergunta crucial deixada no ar pelos cientistas que estudaram exaustivamente o
Sudário de Turim, que apresenta impressa
a figura de um homem, cujas características coincidem com o que se sabe a
respeito do corpo de Jesus, tanto no que tange às características físicas,
quanto aos sofrimentos que lhe foram impostos, sem que hajam eles conseguido
saber que tipo de fenômeno ocorreu na superfície do tecido para fixar, de
maneira impressionante, aquela imagem?
Entretanto, é inegável que essa impressão no tecido não foi
provocada por radiação, nem por calor, nem por tintura, nem por pintura. Até
hoje não se sabe o que provocou aquelas impressões que permitem a um computador
restaurar a figura de um cadáver que fora flagelado e crucificado, antes de ser
deposto sobre aquele pano.
José Passini
sexta-feira, 19 de outubro de 2012
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terça-feira, 16 de outubro de 2012
A transitória maldade
humana
Para a Doutrina dos Espíritos o mal
é criação do próprio homem e
não tem existência senão temporária, transitória, uma vez
que faz parte do aprendizado
não tem existência senão temporária, transitória, uma vez
que faz parte do aprendizado
(1ª Parte) *
“E as paixões hoje são quase as
mesmas de ontem, senão mais açuladas,
mais violentas e devastadoras no homem, que prossegue
inquieto.” - Joanna de Ângelis
mais violentas e devastadoras no homem, que prossegue
inquieto.” - Joanna de Ângelis
A maldade dos homens sempre inquietou os pensadores dos mais diversos campos do saber e da ação humana: filosofia, ciência, arte, religião.
Recentemente o Jornal do Brasil
publicou em seu caderno Ideias uma resenha sobre uma obra que trata deste
tema. O livro em questão é O mal no pensamento moderno, de Susan Neimam,
e o título e subtítulo da matéria, assinada por Joel Macedo, é também
expressivo: “O mal nosso de cada dia - Filósofa parte do terremoto de Lisboa
para mostrar como o mal deixou de ser divino para se tornar criação do homem”.
Para a autora, o terremoto de
Lisboa em 1755 é um divisor de águas nas concepções sobre o mal. Antes deste
evento que abalou a Europa, prevalecia “a visão de males naturais como punição
para males morais”.
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Nas palavras do resenhista: |
Lisboa aboliu as causas morais, absolveu Deus e os
pecados coletivos, e os terremotos passaram a ser vistos como desastres
naturais, algo fora da intenção divina ou responsabilidade humana. Explicar o
mal como processos naturais, implicando mais a natureza em si, foi uma forma de
tornar o mundo menos ameaçador.
Deus não é mais agente punitivo,
causa de males que retornam aos homens como forma de castigo. O
mal, depois de Lisboa, é reduzido ao seu aspecto moral, aquele praticado pelo
homem, por deliberação de sua vontade.
Dentro de certos padrões
previsíveis, os males humanos pareciam não mais destinados a inquietar os
filósofos, pois que o mal parecia ter limites... O Holocausto (extermínio dos
judeus e outras vítimas durante a Segunda Grande Guerra), no entanto, reavivou a
discussão sobre os limites da barbárie, da perversão humana, lançando na
atmosfera intelectual europeia e mundial uma onda de pessimismo e descrença.
Apesar da descrença na Providência
Divina, que se acentuaria no pós-guerra, vozes se levantaram para absolver Deus,
por sua possível omissão diante das atrocidades. (Não se
acredita muito Nele, mas quando ocorre algo grave, O acusamos de não se fazer
presente, quando Ele, na verdade, nem mesmo fora convidado a participar de
nossas vidas, antes das tragédias...)
Estamos nos referindo
particularmente a Hanna Arendt, filósofa judia, radicada nos Estados Unidos. Ela
estudou profundamente as questões do mal e suas discussões estão presentes no
livro Eichmann em Jerusalém, que trata do julgamento do carrasco nazista,
responsável pela morte de milhares de pessoas.
Partindo do caso Eichmann, ela
pondera que o mal pode tornar-se banal e espalhar-se pelo mundo dos homens
como um fungo, porém apenas em sua superfície. As raízes do mal não estão
definitivamente instaladas no coração do homem e, por não conseguirem penetrá-lo
profundamente a ponto de fazer nele morada, podem ser arrancadas.
A sua defesa da Divindade
encontra-se no trecho de uma carta enviada a um amigo, na qual afirma que “o
mundo como Deus o criou parece-me um mundo bom”.
Com Deus absolvido (mesmo que
parcialmente) pela criação do mal e suas consequências, vejamos a visão espírita
sobre esta questão.
A visão espírita do mal
Para a Doutrina dos Espíritos o mal
é criação do próprio homem e não tem existência senão temporária, transitória,
pois no arranjo maior da Vida não tem sentido a permanência do mal. O
mal, desta forma, faz parte do aprendizado, porém na condição de resíduo; por
isso, ele deve ser descartado em algum momento.
Conforme Kardec aponta em Obras
Póstumas, “Deus não criou o mal; foi o homem que o produziu pelo abuso que
fez dos dons de Deus, em virtude de seu livre-arbítrio”. Este pequeno trecho
compõe um dos mais belos ensaios que Kardec deixaria, não intencionalmente, para
publicação posterior. Trata-se de O egoísmo e o orgulho: suas causas, seus
efeitos e os meios de destruí-los.
O mestre lionês, ao desenvolver o
tema, parte do pressuposto de que o instinto de conservação, natural e
necessário para a sobrevivência do homem, está na origem do egoísmo e do
orgulho. Este e outros instintos têm a sua razão de ser. No entanto, o homem
abusa destes instintos, por conta do apego às sensações que as impressões da
matéria lhes causam.
Vive, então, (e aqui começa nossa
análise), a sua longa epopeia rumo à maturidade, devendo liberar-se de tudo que
signifique retenção a esta fase
infantil, de imaturidade, de apego ao ego, em que tudo deve girar
ao nosso redor.
Na mensagem “A lei de amor”, de
Lázaro, presente em O Evangelho segundo o Espiritismo, o autor afirma que
Em sua origem, o homem só tem instintos; quando mais
avançado e corrompido, só tem sensações; quando instruído e depurado, tem
sentimentos. E o ponto delicado do sentimento é o amor...
Os instintos, as sensações e os
sentimentos estarão presentes na existência humana em determinadas combinações,
durante todo o processo evolutivo, com a preponderância de alguns sobre os
outros.
Na fase inicial de sua jornada – na
condição de simples e ignorante – é possível que o instinto lhe
seja o melhor guia; à medida que desenvolve as potências da alma – a
inteligência, a vontade –, ele tende a apegar-se às sensações, pois não
desenvolveu ainda, na mesma proporção, os sentimentos, que permanecem
como presença latente e promessa futura; como a inteligência desenvolve-se mais
rapidamente, na ausência de sentimentos como a fé, a esperança, a caridade, o
homem tende a prender-se às sensações materiais; por fim, aliando a inteligência
(instruído) e as experiências de vida (depurado), os sentimentos começam
a ocupar maiores espaços de manifestações anímicas no homem.
Podemos, assim, afirmar que os
instintos e as sensações ainda convivem conosco hoje, pois, como Espíritos
encarnados, imersos em um corpo físico, estamos sujeitos às leis e às atrações
da matéria, porém os sentimentos tendem a dominar-nos a alma, aliados à
inteligência, que já temos desenvolvido sob as suas diversas modalidades.
Retomando o ensaio de Kardec, este
vai insistir no debate em torno do egoísmo e do orgulho, situando-os como causa
de todos os males.
Um outro conceito precisamos
analisar, porém, neste momento, antes de prosseguirmos e aprofundarmos esta
questão. Trata-se do conceito de paixão.
O conceito de paixão
A definição de paixão encontrada
nos dicionários pode nos ajudar a compreender, antecipadamente, o que desejam
expressar os Espíritos e Kardec quando se utilizam deste termo. Segundo o
Aurélio, paixão é um: “Sentimento ou emoção levados a um alto grau de
intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão; Amor ardente; Inclinação afetiva
e sensual intensa; Entusiasmo muito vivo por alguma coisa; Atividade, hábito ou
vício dominador”.
Lendo um pequeno trecho das páginas
iniciais de O Livro dos Espíritos (Introdução ao Estudo da Doutrina
Espírita), encontramos Kardec a expressar-se nestes termos (p. 25):
O Espírito encarnado se acha
sob a influência da matéria; o homem que vence esta influência, pela elevação e
depuração de sua alma, se aproxima dos bons Espíritos, em cuja companhia um dia
estará. Aquele que se deixa dominar pelas más paixões, e põe todas as
suas alegrias na satisfação dos apetites grosseiros, se aproxima dos Espíritos
impuros, dando preponderância à sua natureza animal. (grifo nosso)
Na mesma Introdução, quando trata
da escala, das classes em que podemos situar os Espíritos em sua trajetória
evolutiva, o codificador afirma (p. 24):
Os [Espíritos] das outras
classes se acham cada vez mais distanciados dessa perfeição, mostrando-se os das
categorias inferiores, na sua maioria eivados das nossas paixões: o ódio,
a inveja, o ciúme, o orgulho etc. Comprazem-se no mal. (grifo nosso)
Cabe-nos, agora, destacar que o
egoísmo e o orgulho compõem o que Kardec designa como sendo as paixões. O
que podemos confirmar quando lemos mais adiante, ainda na Introdução (p.
27):
Ensinam-nos que o egoísmo, o
orgulho, a sensualidade são paixões que nos aproximam da natureza animal,
prendendo-nos à matéria; que o homem que, já neste mundo, se desliga da matéria,
desprezando as futilidades mundanas e amando o próximo, se avizinha da natureza
espiritual. (grifo nosso)
No capítulo em que trata da
escala espírita, Kardec, ao situar os Espíritos imperfeitos na terceira
ordem, traça como seus caracteres gerais (p. 89): “Predominância da matéria
sobre o espírito. Propensão para o mal. Ignorância, orgulho, egoísmo e todas
as paixões que lhes são consequentes”. (grifo nosso)
Será necessário darmos agora um
salto e nos localizarmos na parte terceira de O Livro dos Espíritos (Das
Leis Morais), no capítulo XII, Da perfeição moral, no item denominado
justamente Paixões. Abrangendo seis questões (907 a 912), Kardec faz um estudo
breve, porém aprofundado deste tema, no diálogo que trava com os Espíritos
superiores que colaboram com a Codificação.
Em resumo eis o que
apreendemos:
·
As paixões são
constitutivas, fazendo parte do que podemos denominar de natureza humana.
O seu princípio não é originariamente mau, pois “o princípio que lhe dá origem
foi posto no homem para o bem”. São os acréscimos nossos, da vontade humana, os
excessos, pois o “abuso que delas se faz é que causa o mal”. (questão
907)
A fronteira entre o
bem e o mal
Como já
comentado por Kardec em linhas atrás, certas paixões “nos aproximam da
natureza animal”; desligando-se, porém, o homem da matéria e suas
atrações, por meio da ação de amor ao próximo, ele se aproxima “já neste mundo”
de sua natureza espiritual. (grifo nosso)
Podemos inferir, pois, que as
paixões, este “entusiasmo muito vivo por alguma coisa” ou este “sentimento ou
emoção levados a um alto grau de intensidade”, na definição do Aurélio, transita
na visão espírita da natureza animal à natureza espiritual. instinto de conservação que nos impele a buscar tudo para nós mesmos, no
desejo de preservarmos nossa vida a qualquer custo, em detrimento da vida alheia
(quando próximos da natureza animal, nos primórdios das experiências humanas),
transitamos para um outro extremo, que é a abnegação, que também
na definição do Aurélio significa “renunciar a; sacrificar-se, mortificar-se, em
benefício de Deus, do próximo, de si mesmo”. Não à toa, o próprio sacrifício de
Jesus, mormente na tradição católica (a morte na cruz), é denominado de Paixão
(o próprio Aurélio indica o uso da maiúscula para assim o designar).
·
O governo da
paixão é o que determina o limite em que se situa a fronteira entre o bem e o
mal. A paixão se torna um perigo quando perdemos o domínio sobre ela e causamos
males aos outros ou a nós mesmos. Como alavanca que pode decuplicar nossas
forças, se mal acionada e direcionada pode voltar-se contra nós e nos esmagar.
(questão 908)
Na resposta
dos Espíritos a Kardec é ainda dito que as paixões se assemelham a um corcel, um
cavalo veloz, “que só tem utilidade quando governado e que se torna perigoso
desde que passe a governar”. A própria sabedoria popular nos ensina que a
vaidade, ou o egoísmo ou o orgulho não causam mal desde que em doses
adequadas. Frases como “um pouco de vaidade faz bem à pessoa” e outras do
gênero (quando ditas com sinceridade) correspondem exatamente ao que os
Espíritos em outras palavras referem-se ao domínio das paixões.
É dito também que as paixões, além
de ampliar as forças humanas, “auxiliam na execução dos desígnios da
Providência”.
A paixão, como define o Aurélio, é
também um ”entusiasmo muito vivo” e o termo entusiasmo corresponde a “exaltação
ou arrebatamento extraordinário daqueles que estavam sob inspiração divina”,
também significando “dedicação ardente, ardor”. Logo, o homem quando se torna
entusiasmado, no sentido mais elevado do termo, pode auxiliar nas tarefas que a
Providência Divina lhe designa e de que o homem é instrumento.
·
O princípio das
paixões tem por fundamento um “sentimento” ou uma “necessidade natural”; logo,
as paixões não podem ser concebidas como um mal em si, pois elas são “uma das
condições providenciais da nossa existência”; o excesso na utilização desta
ferramenta é que causa o mal; as paixões que o aproximam da natureza
animal o afastam da natureza espiritual; haverá, por outro lado, “predominância
do espírito sobre a matéria” quando os homens utilizarem as paixões como
instrumento a serviço dos bons sentimentos, o que os conduzirá mais
rapidamente à perfeição que nos cabe atingir. (questão 908)
·
Os esforços, as
tentativas para se atingir uma meta, podem conduzir o homem a “vencer as suas
más inclinações”. Porém o homem não costuma exercitar-se neste sentido, o que
lhe exigiria, em verdade, “esforços muito insignificantes”. (questão
909)
A importância da
vontade
Kardec e os Espíritos relacionam
nesta questão a má utilização das paixões e as más inclinações,
tendências, tornando-as sinônimas. Os Espíritos então nos afirmariam, de
outra forma, que o governo, o domínio que se pode ter sobre as
paixões não exige, comumente, grandes esforços, mas apenas dedicação,
persistência.
·
O homem pode
contar com os Bons Espíritos, cuja missão é auxiliá-los, caso deseje vencer suas
más paixões ou inclinações. (questão 910)
Há uma inscrição no pórtico de
Delfos, na Grécia, dizendo que “invocado ou não ele estará sempre presente”; a
Divindade ou Deus sempre está presente em nossas vidas, mesmo que não
solicitemos... O mesmo ocorre com os bons Espíritos, que nos assistem,
auxiliando-nos sempre. A despeito de nossa rebeldia e, às vezes, do nosso
mergulho deliberado no mal, eles esperam pacientemente uma oportunidade para nos
reerguer, colocando-nos em condições de retomar a caminhada no rumo do Bem. Se
invocados (e invocar é solicitar ajuda ou intercessão de alguém) ou se evocados
(evocar é chamar a si, reclamar a presença de alguém), os Espíritos amigos
haverão de nos auxiliar a vencer nossas más paixões ou más tendências,
inclinações.
·
A vontade pode
sempre triunfar sobre as más paixões, dominando-as. Os homens, no entanto, que
se comprazem com o mal, que lhes proporciona prazer, pela afinidade com tudo o
que se aproxima dessa sua transitória, mas obstinada natureza animal, são
aqueles cuja “vontade só lhes está nos lábios”. Aqueles que compreendem “a sua
natureza espiritual” lutam por reprimir as próprias más tendências. “Vencê-las
é, para eles, uma vitória do espírito sobre a matéria.” (questão
911)
É mais fácil, cômodo, enganar-se,
iludir-se, do que se enfrentar nas lutas sem quartel que se tem que
travar para a vitória sobre si mesmo, contra o mal existente dentro de
nós mesmos. A alavanca férrea da vontade, que nos pode ajudar a remover
todos os obstáculos do caminho, precisa ser forjada todos os dias, retemperada
pela oração e pela vigilância.
É necessário, portanto, estarmos
atentos e em comunhão com o Alto, para não nos amolentarmos, pois é comum nos
deixarmos arrastar pelos cantos de sereia da preguiça, da acomodação e
dos prazeres que a isto conduz ou implica.
·
Por fim, o
antídoto recomendado pelos Espíritos no combate que se deve travar para
vencer-se o “predomínio da natureza corpórea” é a prática da abnegação. (questão
912)
A própria definição do que é
abnegação indica o que nos cabe fazer: “renunciar a; sacrificar-se,
mortificar-se, em benefício de Deus, do próximo, de si mesmo”. Os verbos de que
o dicionarista se utiliza para definir abnegação nos sugere dois tipos de
atitude: a ativa e a passiva.
A raiz de todos os
males
Renunciar a alguma coisa é,
aparentemente, uma atitude passiva de deixar-se, abandonar-se, apagar-se ou até
de fugir de alguma situação. No entanto, ninguém pode renunciar às coisas do
mundo em favor de algo ou alguém sem que mobilize as forças do pensamento e do
coração, com “dedicação ardente, ardor” próprio de quem mobiliza o entusiasmo
naquilo em que se empenha. A abnegação é, enfim, um sentimento de renúncia, de
sacrifício, de anulação do ego para a vivência ativa do amor ao próximo.
Bem, depois
de termos examinado as questões 907 a 912, sobre as paixões, cabe-nos indicar
que as questões que se seguirão tratam do egoísmo. Da questão 913 a 917, Kardec
e os Espíritos dialogam sobre esta “verdadeira chaga da sociedade”. Às más
paixões ou más inclinações Kardec designará agora como vícios, como se vê
na questão 913: “Dentre os vícios, qual o que se pode considerar radical?”
A resposta é
naturalmente o egoísmo, que está na raiz de todos os males (daí o adjetivo
radical utilizado na pergunta). E continuam os Espíritos: “Por mais que lhes
deis combate, não chegareis a extirpá-los, enquanto não atacardes o mal pela
raiz, enquanto não lhe houverdes destruído a causa. Tendam, pois, todos os
esforços para esse efeito...” (grifos nossos)
E ao final da resposta os Espíritos
são claros:
Quem quiser, desde esta vida, ir aproximando-se da
perfeição moral, deve expurgar o seu coração de todo sentimento de egoísmo,
visto ser o egoísmo incompatível com a justiça, o amor e a caridade. Ele
neutraliza todas as outras qualidades.
A ideia de
que o egoísmo e o orgulho possam ser situados como causa de todos os males
humanos pode causar mal-estar a muitos que se
propõem a examinar estas questões. Os Espíritos e Kardec, de modo simples e
coerente, são muito felizes em situar no campo das causas últimas o papel
das paixões ou dos sentimentos do egoísmo, do orgulho e outros assemelhados.
Tudo o mais estaria no campo dos efeitos, que podem tornar-se
causa de outros efeitos. A miséria sócio-econômica, por exemplo, pode ter
sua origem na extrema concentração de renda em determinado país ou região. Na
visão espírita, sem desprezar as análises sociológicas, econômicas ou quaisquer
outras, a causa deste fenômeno está no egoísmo e no orgulho dos homens, em
última instância. A extrema concentração de renda, alegada como causa, na
verdade seria um efeito da causa primordial que são as más
paixões.
* Leia a conclusão deste artigo na próxima postagem.
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