Cegueira
O ínclito escritor português, José Saramago, assim inicia sua obra:
O ínclito escritor português, José Saramago, assim inicia sua obra:
(...)
O sinal verde acendeu-se enfim, bruscamente os carros arrancaram, mas logo se
notou que não tinham arrancado todos por igual. O primeiro da fila do meio está
parado, deve haver ali um problema mecânico qualquer, o acelerador solto, a
alavanca da caixa de velocidades que se encravou, ou uma avaria do sistema
hidráulico, blocagem dos travões, falha do circuito elétrico, se é que não se
lhe acabou simplesmente a gasolina, não seria a primeira vez que se dava o
caso. O novo ajuntamento de peões que está a formar-se nos passeios vê o
condutor do automóvel imobilizado a esbracejar por trás do para-brisa, enquanto
os carros atrás dele buzinam frenéticos. Alguns condutores já saltaram para a
rua, dispostos a empurrar o automóvel empanado para onde não fique a estorvar o
trânsito, batem furiosamente nos vidros fechados, o homem que está lá dentro
vira a cabeça para eles, a um lado, a outro, vê-se que grita qualquer coisa,
pelos movimentos da boca percebe-se que repete uma palavra, uma não, duas,
assim é realmente, consoante se vai ficar a saber quando alguém, enfim,
conseguir abrir uma porta:
Estou
cego.
A
trama, muito bem engendrada pelo magistral escritor, envolve o leitor e o faz
refletir acerca das misérias humanas. A obra é permeada por situações
angustiantes, degradantes, aflitivas, que denotam a condição humana.
É um libelo contra as injustiças sociais,
contra a moral e os costumes aviltantes.
Em O
Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo X, intitulado: Bem-aventurados
os que são misericordiosos, encontramos o excerto do Mestre Nazareno, que
transcrevemos abaixo:
Como
é que vedes um argueiro no olho do vosso irmão, quando não vedes uma trave no
vosso olho?
Ou, como é que dizeis ao vosso irmão: ─ Deixa-me tirar um
argueiro do teu olho ─, vós que tendes no vosso uma trave? Hipócritas,
tirai primeiro a trave do vosso olho e depois, então, vede como podereis tirar
o argueiro do olho do vosso irmão. (Mateus, 7:3 a 5).
Interessante
o paralelo que se pode estabelecer entre a obra de Saramago e a passagem
evangélica. Em verdade, para se analisar as mazelas que estão em nós mesmos,
faz-se mister que nos transportemos para fora de nós mesmos e nos perguntemos:
“Que
pensaria eu se visse alguém fazer o que faço?”.
É
imperioso que nos coloquemos diante de um espelho e nos autoanalisemos.
Diz-nos
o evangelho que o orgulho e a vaidade nos obstam tal reflexão.
Curiosamente,
porém, Saramago elege a figura feminina como a única a conseguir ver diante da cegueira
branca.
Assim,
a obra é passada ao leitor pelos olhos daquela única personagem que vê.
Não
é fortuita tal eleição pelo feminino. Já é um atributo da mulher a nobreza nos
sentimentos. Logo, ela não precisa ver para compreender determinada situação
.
Ao contrário, ela sente e, por sentir, consegue compreender e, por conseguinte,
AMAR!
Falta-nos
justamente essa percepção, essa sublimação dos sentimentos, já que temos os
olhos oblíquos para o negativo, para os estereótipos, para a maledicência, para
o orgulho e a vaidade.
O
Mestre de Nazaré já sabiamente nos recomendava
“tirai
primeiro a trave do vosso olho e depois, então, vede como podereis tirar o
argueiro do olho do vosso irmão”,
quer
dizer, devemos envidar todo o esforço para nos tornarmos bons, probos, justos,
caridosos.
E,
imbuídos de virtudes espirituais, ao invés de julgarmos e achincalharmos os
nossos irmãos, devemos traçar meios de melhor auxiliá-los, para a sua e a nossa
edificação rumo ao Infinito de Eterno Amor.
O consolador
Referências bibliográficas:
KARDEC,
Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 131. ed. Brasília:
FEB, 2013.
SARAMAGO,
José. Ensaio sobre a cegueira. Disponível em:
http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt/
http://www.planonacionaldeleitura.gov.pt/