As maiores vulnerabilidades do ser humano provêm da
inconsciência de sua natureza espiritual.
Ainda que intelectualmente quase
todos nós acreditemos numa vida espiritual, e ainda que abracemos crenças
religiosas e tenhamos vivido e testemunhado experiências concretas que
evidenciem realidades transcendentes, na prática, o ponto de vista dominante
ainda é o de seres terrestres que, em sua maioria, apenas intuem ou aceitam a
dimensão espiritual, focando-a principalmente no cenário pós-morte.
Há nesse
ponto de vista uma distorção grave e mesmo pandêmica, posto que somos
essencialmente Espíritos infinitos numa passagem fugaz pela vida corporal.
É
esse espírito imaterial e infinito que pensa, sente, intui e age dentro das
limitações de um corpo físico perecível, e não o contrário. Inquietudes,
tormentos e angústias sem-fim decorrem dessa visão invertida.
O Evangelho segundo o Espiritismo, no capítulo II, item 5,
aborda as agruras do homem que “concentra todos os seus pensamentos na vida
terrena”, da seguinte forma:
“A perda do menor dos seus bens causa-lhe pungente mágoa.
Um
desengano, uma esperança perdida, uma ambição insatisfeita, uma injustiça de
que for vítima, o orgulho ou a vaidade feridos, são tantos outros tormentos,
que fazem sua vida uma angústia perpétua, pois que se entrega voluntariamente a
uma verdadeira tortura de todos os instantes”.
Por estarmos imersos na vida material terrestre, estamos
necessariamente submetidos aos impositivos biológicos e psicológicos próprios
do aparelho carnal, voltado à manutenção da sobrevivência física no planeta e à
interação social e afetiva com nossos companheiros de viagem.
Pelo fato de essa
passagem material ser significativamente complexa e desafiadora, estamos por
ela de tal forma enredados e absorvidos que, muitas vezes, esquecemo-nos de
nossa natureza essencial.
É como se o Espírito, nessas circunstâncias, ao invés
de encarnar num corpo físico, se deixasse ‘encarnar’ pelo corpo, abdicando
desastrosamente de sua hegemonia e submetendo-se às contingências de uma realidade
passageira.
O Espírito assim sufocado em suas aspirações e natural
capacidade de aprender e evoluir manifesta uma ‘angústia perpétua’, com
reflexos no corpo físico, que só será debelada quando esse mesmo Espírito
reassumir a função de comando de sua saga encarnatória.
O privar-se da plena
utilização de suas potencialidades produz necessariamente sofrimento, o que é,
em última análise, um desajuste, um pedido de socorro e um aviso benfazejo de
que as coisas não estão funcionando de maneira adequada.
Mais uma vez, O Evangelho segundo o Espiritismo, no capítulo
V, item 25, esclarece-nos:
“Sabeis por que uma vaga tristeza se apodera por vezes de
vossos corações, e vos faz sentir a vida amarga?
É o vosso Espírito que aspira
à felicidade e à liberdade, mas, ligado ao corpo que lhe serve de prisão, se
cansa em vãos esforços para escapar.
E vendo que esses esforços são inúteis,
cai no desânimo, fazendo o corpo sofrer sua influência, com languidez, o
abatimento e uma espécie de apatia, que de vós se apoderam, tornando-vos
infelizes”.
As vicissitudes e as
dificuldades da vida do encarnado não deveriam constituir desafios para o corpo
físico, mas sim para o Espírito que, quando consciente e presente de maneira
plena, tem acesso a recursos e informações, que proporcionam um enfrentamento
saudável das mesmas, num autêntico exercício de aprendizado evolutivo.
Assim sendo, mantendo-se o Espírito ocluso e omisso, focado
somente em questões terrenas, não haverá o enfrentamento devido, recaindo todo
o problema sobre uma psique desarmada e sem as habilidades e possibilidades
próprias do Espírito liberto que, consciente de sua natureza transcendental e
mediúnica, trará à encarnação as inspirações e intuições do plano espiritual
com todas as alegrias e regalos delas decorrentes.
A psique, assim vulnerável,
reflete no corpo físico seus desequilíbrios, que acabam por se manifestar em
enfermidades e abatimentos próprios dessa desadequação. Pelo fato de estar
focada no plano físico, inconsciente de sua natureza primordial, a psique
torna-se um obstáculo à plenitude do Espírito e à ação saudável do mesmo sobre
o corpo físico.
Essa habilidade mediúnica refere-se à interação
espírito/corpo físico e está ao alcance de qualquer encarnado, diferindo,
portanto, da chamada mediunidade ostensiva, destinada, esta sim, ao abençoado
serviço mediúnico, especificamente voltado aos trabalhos de auxílio fraterno,
praticados na seara de Jesus.
Trata-se, portanto, da capacidade de perceber e
lidar com as realidades que transcendem a matéria e do acesso intuitivo a
conhecimentos próprios do plano espiritual, que trazem sentido à aventura da
alma humana.
Claro que o acesso a todo esse cabedal de conhecimentos só
acontecerá de forma plena, quando seguido pelo esforço da reflexão, do estudo,
e da aplicação prática dos mesmos na vida cotidiana, uma vez que na evolução
espiritual não existe conhecimento real sem a experimentação prática do que se
aprende, nem sem a transformação íntima correspondente.
Para isso, encarnamos e
reencarnamos.
É preciso, entretanto, estarmos abertos e receptivos a essa
percepção intuitiva, rompendo a camada dos condicionamentos e das preocupações
próprias da experiência material terrena, sejam elas atuais ou remanescentes de
encarnações anteriores, que permanecem registradas e vivas em nossa memória
inconsciente, influenciando-nos de forma significativa.
Por se tratar de uma
memória própria do nosso inconsciente, não nos damos conta do quanto ela nos
afeta. Sobre essa influência, o nobre Espírito Joanna de Ângelis observa:
“A grande maioria dos atos e comportamentos humanos, na sua
expressão mais volumosa, procede do inconsciente, sem a interferência da
consciência lúcida”. (Do livro Em Busca da Verdade – Joanna de Ângelis,
psicografia de Divaldo P. Franco.)
Para que o rompimento dessa camada de preocupações terrenas
e condicionamentos inconscientes aconteçam, é preciso silenciar a mente
aturdida, desviando a atenção consciente para além das tribulações terrenas,
das memórias ressentidas e das tristezas indefinidas.
Desse modo, o ato
deliberado de isolar-se do burburinho do mundo e da mente e buscar-se o retorno
consciente à realidade espiritual, intuitivamente percebida, será suficiente
para dar início ao processo de reintegração com essa mesma realidade
espiritual, dando assim abertura à manifestação da consciência lúcida que, sem
a interferência confusa e alienante do mundo, trará o discernimento, para que
se saiba distinguir o que é essencial e permanente daquilo que é aparente e
transitório.
Joanna de Ângelis prossegue, em nosso auxílio, incitando-nos
a essa investigação interna:
“O ser humano necessita de silêncio mental, de espaço físico
para a autoidentificação, para o autodescobrimento”... “O silêncio íntimo, que
permite ouvir-se a voz da consciência, é de alta relevância para uma existência
feliz, porque permite saber-se o que realmente deseja produzir e como fazê-lo
de maneira excelente.” (Do livro Liberta-te do Mal – Joanna de Ângelis,
psicografia de Divaldo P. Franco.)
Jesus, em Sua divina sabedoria, exortou-nos, através de suas
parábolas, a olharmos os lírios do campo e as aves do céu, a construirmos sobre
a rocha e não sobre a areia, levando-nos com isso a considerar, no silêncio do
coração, as manifestações esplendorosas da Força Criadora eterna, que
transcende o mundo transitório e instável, e a não agirmos como o homem néscio,
que armazenou suas colheitas em celeiros e descansou, esquecendo-se de que seu
corpo mortal não poderia usufruir
indefinidamente das riquezas materiais
acumuladas, nem sobreviveria a todos esses tolos cuidados e preocupações
terrenas.
Reflitamos, portanto: Qual tem sido nosso ‘ponto de vista’
em relação à nossa jornada terrestre?
JOSUÉ DOUGLAS RODRIGUES - O Consolador