sexta-feira, 20 de setembro de 2013


Preconceitos e discriminações: sinais de atraso espiritual

Um dos mais salientes sinais de atraso espiritual - ainda fortemente presente neste planeta – 


é o preconceito

Embora seja socialmente constrangedor admitir que temos preconceitos, o fato é que os cultivamos lá no âmago do nosso ser. Raríssimos são aqueles que conseguem a proeza de respeitar os outros e as suas respectivas particularidades na mais ampla acepção da palavra.

 Paralelamente, as manifestações de intolerância, discriminação e estereótipos também grassam nas sociedades humanas.

Tais coisas representam verdadeiras chagas sociais e mesmo morais, já que denigrem o meio em que vivemos, bem como escancaram – de maneira estrepitosa – a nossa condição evolutiva inferior. O preconceito e a sua irmã dileta – a discriminação – têm causado muitos sofrimentos, assim como sérios comprometimentos cármicos.

Posto isto, cabe inicialmente distinguir o que são exatamente essas doenças sociais – assim as denominamos – com graves repercussões no bem-estar do espírito. Assim sendo, renomados cientistas sociais definem preconceito como os sentimentos negativos ou vieses direcionados a particulares grupos sociais como, por exemplo, negros, gays, lésbicas etc.

Por outro lado, os estereótipos são as nossas crenças estabelecidas – que geralmente primam pela falta de sabedoria – a respeito de determinados grupos sociais, tais como mulheres, trabalhadores mais velhos ou minorias étnicas.

 Nesse sentido, em decorrência da nossa deficiente formação cultural, social e religiosa, dificilmente conceberíamos a ideia de um membro da raça indígena, por exemplo, por mais apto que fosse, vir a ocupar a direção do Hospital das Clínicas (HC) em São Paulo.

 Em nossas mentes – impregnadas, não raro, por pensamentos e ideias intolerantes e inflexíveis – tal posição deve caber preferencialmente a uma pessoa do sexo masculino, no mínimo na faixa dos cinquenta anos de idade e já exibindo algumas cãs.

De maneira similar, seria um estrondoso choque para a maioria de nós ver um homem negro – por mais lustroso que fosse o seu currículo profissional, assim como o seu diploma de Master in Business Administration (MBA) – ocupar a presidência de certas empresas que operam no território brasileiro. A nossa forma estereotipada de enxergar o mundo – em resumo – determina em nossas mentes o que é “certo” ou “errado”, assim como o que é aceitável ou não. 

A partir daí, tomamos decisões e assumimos pontos de vistas nem sempre justos e corretos.

Finalmente, a discriminação refere-se à manifestação de um viéscomportamental injusto demonstrado contra determinadas pessoas. Por exemplo, (1) cidadãos mais velhos são sumariamente descartados para o preenchimento de determinadas vagas de trabalho por causa da sua idade, o que expressa conduta ageísta por parte do empregador; (2) trabalhadores obesos enfrentam igualmente grandes dificuldades de se recolocar em razão da sua aparência considerada fora dos “padrões estéticos”.


De qualquer maneira, os scholars consideram que um indivíduo pode a prioriser alvo de preconceito sem ser, no entanto, discriminado.

 Mas também é possível discriminarmos alguém sem sermos preconceituosos. No geral, o que prevalece é “o preconceito levando ao tratamento discriminatório e o tratamento discriminatório levando a atitudes preconceituosas”.

Portanto, trata-se de coisas extremamente negativas que brotam dos valores distorcidos ou das convicções infundadas que acalentamos, muito distantes de um ideal de igualdade, fraternidade e respeito que deveria imperar, de modo geral, nas relações humanas.

 O Espiritismo tem sólida posição a respeito do tema.

 Assim sendo, vejamos primeiramente a questão nº 799 de O Livro dos Espíritos (LE) (edição americana):

“Como pode o Espiritismo contribuir para a evolução humana? Pode ajudar a derrubar as ideias da filosofia materialista e assim fazer os seres humanos entenderem onde se encontram os seus reais interesses. 

Pode eliminar as dúvidas acerca da vida após a morte, de modo que as pessoas possam se sentir seguras a respeito do futuro. E pode ser vital em erradicar os preconceitos de religiões, classes sociais e raças. A doutrina irá, por fim, ensinar à humanidade a grande lição de irmandade sob a qual todos os homens e mulheres irão eventualmente viver em solidariedade”. (Ênfase nossa.) 
Afinal de contas, adotando a premissa da pluralidade das existências – embasada em evidências absolutamente concretas –, o Espiritismo ensina que o Espírito passará, na sua trajetória evolutiva, por muitas situações e papéis até que expurgue todas as suas imperfeições. Não faz sentido, à luz dos princípios espíritas, criticar e/ou discriminar uma pessoa por causa da cor da sua pele, orientação sexual, crença religiosa, aparência ou idade.

Mas como dissemos anteriormente, a discriminação e o preconceito existem e estão em toda parte. Vejamos, assim, alguns dados
:
·        Estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) projetam para o ano de 2010 haver, para cada grupo de 100 mulheres, 96,3 homens.

·        Em 2009 as mulheres ocupavam 43,9% da população economicamente ativa do país, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD).

·        No entanto, os homens, na média, ganhavam 21% mais do que as mulheres, conforme o relatório RAIS 2009 do Ministério do Trabalho.

·        Quando se analisa o grupo de trabalhadores com curso superior, a diferença é simplesmente brutal à medida que os homens percebem ganhos cerca de 72% superiores ao das mulheres (RAIS 2009).
·        Na média geral uma pessoa negra ganha -32% do que a branca e -4% do que a parda (RAIS 2009).

·        A trabalhadora negra, por sua vez, ganha -33% do que a branca (RAIS 2009).
·        As pessoas acima de 40 anos estão sub-representadas no conjunto total de empregados das 150 Melhores Empresas para Você Trabalhar no país, publicado pelas revistas Você S/A e Exame.
·        Já os trabalhadores na faixa dos 50-64 anos de idade ocupam – no mesmo contingente de empresas citado – cerca de -25% das vagas do que a média do mercado para esse grupo etário.

·        As mulheres que vivem em países mulçumanos como o Afeganistão e o Paquistão são tratadas abaixo de certos animais, sendo agredidas pelos seus parceiros – culminando, não raro, com a completa deformação de seus rostos – de forma indiscriminada e sem punição.

Posto isto, a questão nº 201 do LE (edição brasileira), enfocando a orientação sexual, é assim abordado:

“Em nova existência, pode o Espírito que animou o corpo de um homem animar o de uma mulher e vice-versa? Decerto; são os mesmos os Espíritos que animam os homens e as mulhe
res”. (Ênfase nossa.)
Já na questão nº 202, o tema é mais bem explicado:

“Quando errante, que prefere o Espírito: encarnar no corpo de um homem, ou de uma mulher? Isso pouco lhe importa. O que o guia na escolha são as provas por que haja de passar”. (Ênfase nossa.)
Por fim, Kardec acrescenta ainda que:

Os Espíritos encarnam como homens ou como mulheres, porque não têm sexo. Visto que lhes cumpre progredir em tudo, cada sexo, como cada posição social lhes proporciona provações e deveres especiais e, com isso, ensejo de ganharem experiência. Aquele que só como homem encarnasse só saberia o que sabem os homens”. (Ênfase nossa.)

Portanto, haveremos de nascer e renascer tantas vezes quanto necessário até assimilarmos as virtudes essenciais. Assim sendo, habitaremos em corpos e viveremos em contextos que nos conduzirão aos aprendizados imprescindíveis. 

Desse modo, as infindáveis discussões sobre qual dos sexos é mais inteligente, mais sensato, mais sensível etc., passam ao largo das verdades transcendentais e, por isso, são irrelevantes. Não passam de discussões rasas à luz da imortalidade da alma e da plasticidade do espírito.

Nesse sentido, o Espírito Irmão José nos esclarece que eventuaispreconceitos que alimentemos são demonstrações de limitações de nosso Espírito. Lembra-nos o benfeitor que embora estejamos a caminho da perfeição, “... falta-nos muito chão a percorrer”.

 Recomenda-nos ainda para não nos escandalizarmos “... diante das atitudes que nos causem estranheza”. Afinal, nenhum de nós é igual ao outro. “Não sabemos o que fomos e nem podemos prever o que seremos”, pondera o benfeitor. Por isso, devemos tratar a todos com respeito e consideração, já que também apreciamos receber, por nossa vez, esse tipo de tratamento. 

No mesmo diapasão, o Espírito Joanna de Ângelis ressalta que “Entre outros, a equanimidade constitui um valioso tesouro a ser adquirido, num estágio mais nobre da existência”. E acrescenta igualmente que:

“A equanimidade propõe que se estabeleçam vínculos de bondade e de respeito com os mais diferentes biótipos existentes, de forma que o bem esteja acima das vicissitudes e das lastimáveis consequências das ocorrências infelizes ou funestas”.

Por fim, Joanna de Ângelis observa que:

“A equanimidade oferece a medida exata de como proceder-se em relação ao próximo e de como reagir-se diante de fatos penosos, afligentes, mantendo-se sempre no mesmo estado de harmonia.”  
Noutra abordagem convergente, o Espírito Ermance Dufaux propõe a solução pela via da alteridade, considerando que “Nas abordagens filosóficas, a alteridade tem conotações de rara beleza e profundidade, demonstrando a importância da diversidade humana [...]”.

 Ela recorre à questão nº 804 do LE para consolidar a sua argumentação – ou seja: “Necessária é a variedade das aptidões, a fim de cada um possa concorrer para a execução dos desígnios da Providência, no limite do desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais”.

Lembra-nos Irmão José que Jesus “não se esquivava das prostitutas e dos homens de má vida”. Cabe ressaltar também que Jesus nos deu outros extraordinários exemplos de tolerância e inclusão social. Um dos mais marcantes foi o episódio da mulher samaritana. Destaca Cairbar Schutel que:

“Chegando Jesus a Sicar, a cidade da Samaria, repousou perto de Jacó, quando, à hora sexta (12h), uma mulher veio tirar água.

 O Mestre pediu-lhe de beber e ela admirou-se de lhe pedir água um ‘judeu’, porque os judeus não se comunicavam com os samaritanos, por motivos religiosos”.

“Jesus fez-lhe ver, então, que o dom’ de Deus era mais do que judeu, mais do que samaritano, e disse à mulher: “Se tu conhecesses o “dom” de Deus e quem que pede água, tu lhe terias pedido “água” e ele te daria, porque quem beber da “água” que eu lhe der, nunca mais terá sede” [...]”.  

Um outro exemplo fascinante foi relatado pelo Espírito Humberto de Campos. Conforme o autor espiritual, no começo do apostolado cristão havia – como em todos os agrupamentos humanos – uma exaltação natural por parte dos mais jovens.

 Eles vislumbravam em suas conversações levar a boa nova para todos os recantos do planeta. Nos seus impulsos juvenis imaginavam que companheiros como Pedro – premido pelas responsabilidades do lar – e Mateus – amarrado às obrigações de cada dia – pouco poderiam fazer.

Entretanto, Simão, “O Zelote”, algo mais velho, ouvia-os e temia não ser útil aos desafios do porvir. Afinal de contas, os anos já lhe pesavam sobremaneira no corpo e as suas energias já demonstravam certo esgotamento, embora o Espírito se conservasse atento.

 Assim sendo, com a autoestima meio conturbada, o velho pescador procurou o Mestre a fim de lhe rogar orientações.

O Mestre ouviu-o atentamente, embora já tivesse pleno conhecimento das tempestades que lhe intranquilizavam a alma. Resumidamente, esclareceu-o que “a existência humana é uma hora de aprendizado, no caminho infinito do Tempo...”. 

Além disso, argumentou que, sob a perspectiva intergeneracional, ambos jovens e idosos tinham obrigações e deveres para a manutenção do equilíbrio da vida em sociedade. 

A fim de motivar o velho apóstolo, alertou-o quanto à sua parte no esforço geral, bem como a sua importância naquele momento na obra que se erigia. Concitou-o a ter paciência com os mais jovens – levianos ou não – e conservar o bom ânimo.

Simão retornou aos seus afazeres com as suas energias retemperadas. Ao voltar à casa pobre, encontrou Tiago, filho de Cleofas, conversando à margem do lago com outros jovens e no calor da suas argumentações aludiu à idade de Simão.

 Embora não tenha se sentido – desta vez – ofendido ou magoado, oportunamente Simão procurou o impetuoso companheiro de luta. Com extraordinária brandura e lógica fez o jovem apóstolo entender que a idade era um aspecto irrelevante diante do desafio de edificar o reino de Deus no íntimo das criaturas.

Nessa noite, ao repousar, Simão teve um sonho arrebatador no qual ele “se encontrava com o Messias, no cume de um monte que se elevava em estranhas fulgurações”. Conforme relata o Espírito Humberto de Campos, Jesus o abraçou com carinho e lhe agradeceu “o fraterno esclarecimento fornecido a Tiago e pelo seu terno cuidado com duas crianças desconhecidas – que ele horas antes havia, de certa forma, salvado – por amor de seu nome”.

“O discípulo sentia-se venturoso naquele momento sublime. Jesus, do alto da colina prodigiosa, mostrava-lhe o mundo inteiro. Eram cidades e campos, mares e montanhas...

 Em seguida, o antigo pescador compreendeu que seus olhos assombrados divisavam o futuro. Ao lado de seu deslumbramento passava a imensa família humana. Todas as criaturas fitavam o Mestre, com os olhos agradecidos e refulgentes de amor [...].”

“Simão acordou, experimentando indefinível alegria.” Ao procurar Jesus para agradecê-lo com profunda humildade, ouviu-o dizer: “Em verdade, Simão, ser moço ou velho, no mundo, não interessa!... Antes de tudo, é preciso ser de Deus!...”

Parafraseando o Mestre inolvidável, é de somenos importância se somos altos ou baixos, gordos ou magros, bonitos ou feios; se somos negros, brancos, indígenas ou amarelos; se somos homens ou mulheres ou ainda se somos heterossexuais ou homossexuais.

 Fundamentalmente, o que importa é que tenhamos Deus em nossos corações!
Por fim, como espíritas, nos cabe o esforço de eliminarmos qualquer laivo de preconceito ou discriminação de dentro de nós, pois amanhã poderemos estar numa condição igual à daquele que hoje criticamos ou prejudicamos.  

Bibliografia: 
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SCHUTEL, C. Parábolas e ensinos de Jesus. 17ª edição. Matão, SP: Casa Editora “O Clarim”, 2001.
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Revista O consolador - Anselmo Ferreira Vasconcellos