segunda-feira, 9 de abril de 2012


Terra: mãe generosa ou planeta hostil?

Os últimos desastres geológicos envolvendo particularmente o Haiti e o Chile levam-nos ao pensamento do escritor norte-americano BillBryson, no livroBreve História de quase tudoao escrever que vivemos num mundo que parece não nos querer aqui.
A afirmativa de Bryson é resultado de longa reflexão em torno de dados históricos e científicos impressionantes. Por mais de oito vezes a Terra teve quase todas as formas de vida dramaticamente destruídas. Quando se fala em episódios catastróficos se pensa logo nos dinossauros e lembra-se que o seu desaparecimento há cerca de 60/70 milhões de anos está ligado ao choque de um grande asteroide. Isso dá a falsa impressão de que desastres com causas externas seria o principal risco para a nossa biosfera. O caso dos dinossauros, no entanto, é uma exceção em meio a um grande número de episódios nos quais processos conduzidos pelos próprios seres vivos acarretaram reduções dramáticas na biomassa (o volume total de seres vivos).
Há cerca de 250 milhões de anos, pereceram 90% das espécies marinhas e 70% do total da vida na Terra em decorrência do crescimento exagerado de bactérias produtoras de gás sulfídrico, um gás altamente mortífero para plantas e animais. Esse crescimento bacteriano se deu em virtude do aquecimento do planeta em decorrência de um efeito estufa produzido por gigantescos volumes de magma lançado por vulcões nos mares e na terra por milhares de anos.
Pelo menos duas dúzias de culpados potenciais foram identificados como causas das destruições em massa: aquecimento global, resfriamento global, mudança dos níveis dos oceanos, esgotamento do oxigênio nos mares, epidemias, vazamentos gigantescos de gás metano no fundo do oceano, impactos de meteoros e cometas, furações, vulcões, explosões solares etc. Lembra o autor citado que na maior parte da história recente a Terra esteve longe de ser o local estável e tranquilo que nós sonhamos. Não é, segundo ele, um local ameno para um organismo viver.  
Uma teoria conhecida, a famosa hipótese Gaia, propõe
 que a mãe natureza cuidará de nós eternamente
se voltarmos ao seu seio
 
As porções da Terra onde temos preparo ou capacidade para viver são bem modestas: apenas 12% da área terrestre total, e somente 4% da superfície total se incluirmos aí os oceanos. O restante é frio demais ou quente demais, alto demais, seco ou úmido demais etc.
Soma-se a tudo isso a ação irresponsável do mais recente predador do planeta, o homem, que, segundo o jornalista André Trigueiro, no livro Espiritismo e Ecologia, tem participação direta na mudança climática, na escassez de recursos hídricos, na produção monumental de lixo, na destruição sistemática e veloz da biodiversidade, no crescimento caótico e desordenado das cidades, dentre outros.
Mas o que pensarmos, então, da esperançosa ideia de que nosso planeta é “mãe acolhedora e generosa”, de mãos sempre abertas para seus filhos, nós, Espíritos encarnados?
Uma bela discussão filosófica pode ser feita.
Uma das teorias mais difundidas nos últimos quarenta anos, a famosa hipótese Gaia, propõe que a mãe natureza cuidará de nós eternamente se voltarmos ao seu seio. Gaia é uma referência à deusa Terra na mitologia grega, cujo nome também pode ser traduzido como “boa mãe”. Segundo essa hipótese, aventada pelo cientista inglês James Lovelock, a natureza teria compromisso com a manutenção da vida sobre a Terra, tendendo à harmonia. Segundo a teoria citada, os seres vivos colaboram entre si para manter as condições ambientais dentro de parâmetros compatíveis com a manutenção da vida, podendo até mesmo melhorar a química da atmosfera e dos oceanos.
Segundo o paleontólogo americano Petyer Ward, da NASA e da Universidade de Washington, essa teoria está totalmente errada, pois os seres vivos interagem com o ambiente de tal maneira, que, a longo prazo, a vida tende a desaparecer. A natureza se comporta como Medeia, a mãe impiedosa que, na mitologia grega, mata os próprios filhos. 
O nosso descaso diante do cuidado com a sustentabilidade do planeta tem sido responsável por problemas crescentes 
A Doutrina Espírita nos apresenta o planeta Terra como o ninho do Espírito imortal necessitado de oportunidades para desenvolvimento de seus talentos. Se o planeta nos fosse oferecido perfeito e em absoluta harmonia, onde encontraríamos os elementos necessários ao nosso aprimoramento? Na medida em que o Espírito desenvolve a inteligência e o sentimento, o planeta que o acolhe vai sendo naturalmente burilado, tendo as suas condições de habitabilidade melhoradas.
O notável progresso tecnológico alcançado por nós, nos dois últimos séculos, atesta que o homem tem feito bastante em prol das melhores condições de vida na Terra. A expectativa de vida que era no Homem de Cro-magnun (há cerca de 100 mil anos) de 30 anos, e que subira apenas para 35 anos no século XIX, chega hoje, em países desenvolvidos, próxima dos 80 anos.
As comodidades que a tecnologia oferece a cada indivíduo com eletrodomésticos, automóveis e coisas equivalentes correspondem, segundo estudos de especialistas, ao trabalho de 33 escravos do mundo greco-romano.
No entanto há muito a ser feito, e atitudes equivocadas a serem revistas.
Gastam-se 18 bilhões de dólares por ano no mundo com perfumes e cosméticos. Isso bastaria para eliminar a fome de 800 milhões de pessoas. Gastam-se 12 bilhões de dólares por ano com sorvetes na Europa. Isso seria suficiente para prover com água de boa qualidade mais de 1 bilhão de pessoas que não a têm.
No capítulo VI de O Livro dos Espíritos, que versa sobre a Lei de Destruição, há o reconhecimento de que muitos flagelos resultam da imprevidência do homem.
O nosso descaso diante do cuidado com a sustentabilidade do planeta tem sido responsável por problemas graves e crescentes.
No livro Eco-Economia, Lester Brown comenta que ocorreram três vezes mais catástrofes naturais durante os anos de 1990 do que nos anos 1960. Perdas econômicas aumentaram oito vezes. Grande parte desse aumento parece ser devido a catástrofes, incluindo tempestades, secas e incêndios florestais. 
O item 132 d´O Livro dos Espíritos diz que compete ao Espírito encarnado cumprir sua parte na obra da criação
Relatórios recentes de técnicos e pesquisadores da área informam que eventos extremos como furacões, enchentes e tempestades já ocorrem com mais intensidade e com intervalos de tempo mais curto. O degelo das calotas e dos cumes elevados, a elevação do nível do mar, a mudança da configuração de importantes ecossistemas como a Amazônia ou as imensas redes de corais submarinos são alguns dos efeitos da monumental descarga de gases de efeito estufa de origem humana, especialmente a queima progressiva de petróleo, carvão e gás, os desflorestamentos e o manejo inadequado do solo e lixo.
Lembra o jornalista André Trigueiro que mais importante do que cuidar do planeta para nossos filhos e netos é cuidar melhor dos nossos filhos e netos para o planeta. Em resumo: é o papel da educação, também para a questão ambiental.
Domenico de Masi, sociólogo italiano, autor do livro O Ócio Criativo, apresenta oito grandes obstáculos ao bem-estar da criatura humana, que nos compete superar: a morte, a dor, a miséria, o cansaço, a feiura, a ignorância, o autoritarismo e a tradição.
Quando Kardec estabelece as finalidades da encarnação em O Livro dos Espíritos, item 132, escreve que compete ao Espírito encarnado cumprir sua parte na obra da criação. Ou seja, atuar de forma positiva e dinâmica em prol do planeta e de todos os seres viventes.
Joanna de Ângelis, na obra Atitudes Renovadas, coloca que os compromissos terrenos, aqueles que fomentam o progresso da sociedade, também fazem parte integrante das altas responsabilidades morais do Espírito imortal. E acrescenta: A tua é a missão de construir a Terra melhor e mais feliz, iniciando o labor em teu mundo intimo e ampliando-o além das fronteiras que te limitam.
A Terra (seja Gaia ou Medeia) é aquilo que precisa ser para fazermos o que precisa ser feito em prol de nosso desenvolvimento espiritual.
O benfeitor Humberto de Campos, pela psicografia de Chico, assim se expressou: Não aspire a um mundo que você ainda não merece; trabalhe muito para melhorar o mundo que é o seu.