quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

                                             Como você se atreve?!

Há algum tempo me solidarizei com algumas pessoas sobre as quais se abateram tragédias e fatalidades, cujas identidades aqui não vêm ao caso para não expô-las.  

Não quero me ater às tragédias em si, mas a algumas reações insólitas, às quais atribuo, sem nenhuma margem de dúvida, dentre outras coisas de peso, o estado caótico, desolador, no qual a humanidade se encontra.

Alguém virou para mim em determinado momento e disse: "Você vai é se meter em confusão com esse negócio de se envolver com os problemas das pessoas!".

Confesso: me encrespei. 
Respondi na mesma hora, inconformada:

 "E por quê?! 
Qual a confusão viável por simplesmente me importar?!

 Por oferecer solidariedade?! 

Calor humano na hora do sofrimento?!

 Porque, a meu ver, confusão tem a ver com problema de consciência; ora, se a intenção e as minhas ações são justamente de molde a abonar a minha consciência, qual a confusão possível?!

E prossegui no desabafo durante alguns instantes com essa pessoa de minhas relações, cuja essência lhes transmito neste texto; é que meus artigos são assim mesmo.

 Este é o meu estilo: terapêutico. Gosto de dividir vivências com meus leitores de molde a despertar comentários, reflexões, debates... Há crescimento – e muito! – a partir disso!

A meu ver, é justo desse calor humano, do se importar, dessas demonstrações sinceras de solidariedade, do se estender as mãos para o próximo, que a humanidade mergulhada nas expressões do ódio e do desamor se ressente! 

Ninguém se importa nem quer se importar com nada; ninguém se compromete; há o temor de que num simples gesto ou palavra de solidariedade se vá perder alguma coisa. 

Mas perder o quê?! 

Tempo? O mesmo tempo gasto nos fins de semana com jogos de futebol, churrascadas regadas a cervejas e outras frivolidades?

 Então, a convivência com o ser humano se resume a isto: só se dá de si quando tudo vai bem! 

Na hora das festas, do entretenimento, do convívio no mais das vezes forçoso da vida profissional durante a semana, estaremos presentes, integrados.
 Nos momentos de dor, contudo – Nem pensar! Eu, hein, me meter nisso, me comprometer? 

Arranjar dor de cabeça, tomar a cruz dos outros quando a minha já não é fácil? Estou fora!

E segue assim a humanidade egoísta, em decorrência mesmo do que se vê: o mundo como nunca soterrado na maior crise de solidão e de desamor de toda a História!

 Porque se deu prioridade aos progressos tecnológicos, às comodidades, às incompletudes dos avanços científicos... E, ainda assim, estranhamente, padece o ser humano das mesmas misérias íntimas de milênios atrás, das eras da barbárie. 

Efetivamente, continua o seu modus vivendiegoísta, e nem por isso é mais feliz!

Observem que não quero aqui significar que se deva, como dito, tomar sobre si a cruz alheia! 

Isso, de fato, a ninguém seria de ajuda, de vez que para tirar alguém de dentro de uma vala não auxiliará se, em estendendo a mão, ao invés de içá-la, nos despenquemos para dentro, para a mesma situação crítica!

Não é a isso que me refiro, à assimilação da negatividade transitória do próximo, resultado das fatalidades que vez por outra o atingem! 

Falo de outra coisa, vital, imprescindível..., para que a humanidade continue digna de tal designação; para que a desesperança no ser humano não reverta absoluta: falo de amor

Falo de solidariedade na sua mais impoluta acepção e não apenas extensa aos nossos círculos consanguíneos, mas também para todo aquele a quem possamos ofertar com sinceridade e compreensão tal sentimento e tal atitude..., para além dos portais estreitos do nosso recinto familiar!

O curioso, todavia, é que o posicionar-se assim, pura e simplesmente, diante de determinadas personalidades, reveste-se quase que de arrogância. Lê-se com clareza nos olhares: Como você se atreve?! 

Quem pensa que é para sair por aí dando uma de boazinha, de salvadora da pátria? Quem você pensa que é? Por que não se mete com seus próprios problemas? Não é pretensão demais, não, achar que pode fazer alguma coisa, aliviar dores, reconfortar, principalmente, pessoas estranhas?!

Volto a confessar minha perplexidade! 

Mais de uma vez já vivenciei coisas que confirmaram aquele pensamento famoso e recorrente: é justamente fora de casa que encontramos maior solidariedade! Santo de casa não faz milagre! 

Um estranho, em variadas ocasiões, é o irmão compreensivo, o pai ou a mãe que não nos oferece o reconforto do qual necessitamos em situações extremas!

 Fora de casa, pois, é que encontramos o irmão de espírito, oportuno, carinhoso, de cujo apoio tanto necessitávamos na hora de se resolver situações difíceis, dolorosas!

Já vivi, já ouvi, já vi exemplos múltiplos que confirmam esta verdade! E, no entanto, persiste essa coisa de ser olhada e taxada, tácita ou explicitamente, de pretensiosa e arrogante justamente por amor de atitudes que tanto bem, comprovadamente, proporcionam ao próximo em suas angústias e agruras!

"Eu te compreendo! Já vivi, já senti na pele! Apegue-se a Deus, não desista! Já vivi algo assim, ou parecido!"

Palavras e gestos semelhantes tanto bem proporcionam aos irmãos de jornada neste mundo, meus amigos! 

Quem não aprecia? 

Quem pode dizer que não necessitou ou nalgum dia não vá necessitar de ser assim reconfortado por tais amigos oportunos, que parecem "cair do céu" quando deles mais precisávamos?

 Que mal há, por fim, em se apostar na força reabilitadora do calor humano, da fraternidade na sua expressão mais espontânea, peculiar, simples, de nós mesmos? 

No anonimato ou mais manifestamente, não importa, por intermédio da publicação de um texto, ou de um diálogo carinhoso, o se buscar o outro, com o devido senso de oportunidade, para lhe mitigar ao menos um pouco a dor, para estar presente nela, para, enfim, e ainda que em silêncio, fazer calar fundo nalguma alma martirizada que estamos todos no mesmo barco...

Como você se atreve?! – os olhares e comentários sugerem, da maneira mais insólita...

Querem saber de uma coisa? 

Chico Xavier se atreveu. Gandhi se atreveu. Jesus. Mahavira. Osho, Chico Mendes, Madre Teresa de Calcutá... Francisco de Assis!
Estou em boa companhia. E vou continuar me atrevendo!

Cristina Nunes - O consolador